Caros alunos formandos, pais, colegas professores, agentes universitários,
É uma grande alegria e um grande orgulho ser homenageado. Afinal, o professor universitário está numa posição de provocar o desconforto intelectual necessário ao desenvolvimento do conhecimento. Se pude fazer isso e ainda estar aqui discursando foi devido a uma grande generosidade dos alunos. Mesmo sendo músicos de considerável experiência, se dispuseram a ouvir e se deixar fisgar por novos tipos de curiosidade.
Agora peço licença para mais uma vez provocar vocês, causar mais algum desconforto, na esperança de que aquela alegria natural da conclusão do curso não leve vocês a uma acomodação perigosa, assentados nos louros desta importante vitória.
Não são vocês que estão “se formando” hoje. É um país inteiro. Estamos cumprindo uma estapa importante. Somos um país carente de produção cultural acessível a todos. Um país que vergonhosamente ainda não tem música na escola básica. Um país que tem severas dificuldades de preservar sua riquíssima memória. Um país que tem problemas em reconhecer sua originalidade artística, sempre prontos que somos para nos medir com réguas fabricadas no hemisfério norte do globo.
Num país com essas caracerísticas, quem se forma licenciado em música e bacharel em música popular assume desde já um protagonismo notável. São vocês que contribuirão para a profissionalização das produções culturais, a preservação da memória, o estudo da nossa cultura. São vocês que somarão forças na luta por uma educação mais humana, que respeite o processo de formação integral da pessoa, para além da formação para o mercado.
Mas não pretendo aceitar o sofisma tantas vezes repetido de que o mercado na área das artes não é tão promissor ou desejável quanto o de um médico, engenheiro ou advogado. Vocês são a prova: muitos equilibraram trabalho e estudo, porque as oportunidades profissionais existem. Eu me lembro porque escolhi a música como carreira profissional, abandonando outra de técnico em eletrônica. Na época, eu precisava dar apenas oito aulas de violão por semana para ganhar o equivalente ao meu salário por 44 horas semanais de trabalho insalubre como técnico de campo de informática.
Nunca me arrependi desta escolha, que fiz num momento muito mais delicado, em que a profissionalização da vida musical em Curitiba ainda estava muito longe do que já conseguimos alcançar no atual momento. Hoje olho pra trás, e vejo que cada aula, cada recital, cada arranjo, cada ensaio, ajudaram a fazer um mundo um pouco melhor. Isso é gratificante, vocês já sabem.
Mas quero cobrar de vocês que não parem aqui. Vão além. A formação que vocês receberam foi a melhor que pudemos dar nas condições que temos hoje. O investimento público em vocês não foi pouco, mas mesmo assim não foi o suficiente. Levamos o trabalho na FAP lutando com falta de estrutura e um investimento aquém do necessário pelo governo estadual. Mesmo assim vocês saem com uma formação melhor do que a que eu recebi o me formar em 1997.
Se eu puder perdir para vocês lembrarem só uma coisa das minhas aulas, é a frase que eu disse tantas vezes: a história da música está em construção. Tudo o que sabemos está em construção, portanto vocês não poderão parar. O estudo e a pesquisa terão que ser um vício a acompanhar vocês o resto da vida. Se possível em cursos de aperfeiçoamento, talvez num mestrado. No mínimo continundo aquelas leituras que ficaram acumuladas (a gente nunca vence as bibliografias) e buscando as novas que vão surgindo.
Nós estaremos à disposição de vocês na FAP, aliás, UNESPAR – acostumem-se com esse novo nome, porque eu até hoje ainda insisto em chamar de CEFET o que já é UTFPR há anos. UNESPAR que eu espero ter condições de oferecer muitos e melhores atrativos para vocês continuarem voltando sempre à antiga casa, trazendo a experiência profissional para compartilhar com novos estudantes, buscando formação em nível de pós-graduação, participando em projetos de pesquisa e/ou extensão e talvez até trabalhando como professores. Vocês são uma riqueza que não queremos perder. Agora não são mais alunos, são colegas de profissão, e serão tratados ainda melhor do que antes. Vocês merecem.
Eu peço a vocês este inconformismo com a formação que receberam, que não parem de estudar e de crescer. Mas peço um inconformismo muito mais radical como o mundo que vocês vão encontrar aí fora como egressos. Eu espero que tenhamos dado a vocês uma formação ousada o suficiente para que vocês não apenas encontrem um lugar existente no mercado de trabalho, mas que criem novos lugares, que revolucionem todo esse mercado existente. Repensem tudo, critiquem tudo, destruam tudo, com a autoridade que estão recebendo para isso. E vamos começar de novo, sempre. Para que as glórias do nosso passado não nos façam acomodar, mas nos sirvam de lição para construirmos sempre mais. Afinal, quantos músicos geniais o Brasil já produziu que não tiveram uma formação tão sólida quanto a que vocês agora ostentam. Se eles venceram as dificuldades e construíram trabalhos tão importantes, vocês tem obrigação de levar adiante este legado. Eu não espero nada menos que isso de vocês.
P.S. Aqui no blog tem também o discurso para os licenciados em música que fiz ano passado.