A estreia da Orquestra Infantil Alegro

No último dia 1º de setembro deste 2019, domingo passado, aconteceu na sede do antigo Clube Concórdia, em Curitiba, a estreia da Orquestra Infantil Alegro.

A Orquestra Infantil Alegro é a mais nova realização da Associação Musical Alegro, uma entidade que está fazendo um trabalho importantíssimo em Curitiba, embora isso seja pouco conhecido.

Eu soube da Alegro depois que escrevi para o jornal Plural um texto sobre concerto da Orquestra Sinfônica do Paraná. Por causa deste texto, recebi o contato do Edward Matkin, me propondo conhecer o trabalho da Associação.

Associação Musical Alegro

Eu nunca tinha ouvido falar da Alegro, nem do Edward. Ele sabe que eu até estranhei quando ele entrou em contato. Depois de algumas explicações por email, marcamos uma conversa. E o que percebi foi que o trabalho do Edward e o que a Alegro está desenvolvendo são coisas fantásticas.

Dá pra saber muito sobre a Alegro no sítio que eles mantém na internet. Dá pra acompanhar também por redes sociais, como seus perfis no Instagram e no Facebook.

Basicamente, a Alegro foi criada para fomentar o desenvolvimento de um sistema de orquestras jovens no Paraná, semelhante e/ou inspirado em outros projetos de sucesso no Brasil como o Neojibá.

A Orquestra Jovem Alegro

A iniciativa que a Associação Musical Alegro já vem desenvolvendo e estruturando há mais tempo é a Orquestra Jovem. É uma orquestra destinada a jovens músicos de até 29 anos, que se propõe a ser um espaço de formação de alto nível profissional.

A Orquestra Jovem Alegro realizará este ano, em novembro, seu 2º Festival. Quem ler este post hoje ainda pode conseguir se inscrever – é o último dia do prazo. O Festival está selecionando bolsistas. A programação a ser realizada é uma espécie de Oficina de Música, voltada para músicos de orquestra. Há vagas limitadas por instrumento. Mais informações no site.

Projetos apoiados pela Alegro

Formar uma orquestra jovem não é uma tarefa simples, e não é coisa para se fazer sozinho. Ainda bem que Edward Matkin trouxe ao Brasil sua experiência e disposição para o trabalho associativo. É uma coisa que ainda não sabemos fazer direito nesse país, e podemos aprender muito com a tradição dos países de língua inglesa. Para realizar grandes coisas, é preciso conquistar muitos apoios.

Assim, a Alegro tem uma equipe forte de apoiadores. Entre os mais conhecidos do nosso meio musical estão o engenheiro de som Bruno Haller, o percussionista Leonardo Gorosito, a maestrina Helma Haller, a professora Ingrid Serafim.

Além disso, a Alegro percebeu que uma maneira de fortalecer seu trabalho era se associar com projetos que já estão funcionando muito bem na formação de crianças e jovens com a música. Os principais projetos apoiados pela Alegro são o Núcleo de Música da Associação São Roque (Piraquara-PR), o Projeto Música no Bairro do Projeto Dorcas (Almirante Tamandaré-PR) e a Filarmônica Antoninense.

Em cada um desses projetos a Alegro desenvolveu parcerias e colaboração, como mobilizar recursos de patrocinadores para compra de instrumentos musicais e pagamento de professores. O vínculo é tão estreito que a diretoria da Alegro conta com a participação de duas professores que coordenam esses projetos: Ana Cristina Lago e Renate Weiland.

Ana Cristian Lago é regente do Coral Gato na Tuba, da Associação São Roque. No projeto desenvolvido em Piraquara, formou-se uma orquestra de cordas dirigida pelo professor Shante Antunes Cabral. Tem informações sobre o Núcleo de Música na página da Associação São Roque.

Renate Weiland coordena o núcleo de ensino de música mantido pelo Projeto Dorcas em Almirante Tamandaré. Ela iniciou o programa de educação musical e aprendizado de Flauta Doce. Mais recentemente o projeto também formou o Coro de Metais, dirigido pelo professor Tadeu Malaquias. Algumas informações estão na página do Projeto Dorcas.

O concerto

Precisei de toda essa longa explicação antes de falar do concerto de estreia da Orquestra Infantil Alegro, que aconteceu dia 1º de setembro no Clube Concórdia. Porque foi muito mais do que o concerto de uma orquestra.

Como o evento foi organizado pela Associação Alegro, seu colaborador – o professor Leonardo Gorosito – trabalhou como apresentador na programação. Gorosito ficou ao microfone explicando para nós da audiência cada projeto, e entrevistando os maestros e professores que participaram da apresentação.

O evento teve vários participantes, todos vinculados com a Alegro e apoiados pela Associação. A Orquestra Infantil foi apenas o último e sublime momento musical do evento.

A apresentação começou o Grupo Além do Arco-íris, coordenado pela professora Ellen Carolina Ott. O grupo é formado por músicos com deficiência visual, e faz parte do projeto Musicart, da UTFPR.

Orquestra de Cordas Gato na Tuba

Em seguida assistimos à Orquestra Gato na Tuba, dirigida pelo maestro Shante Antunes Cabral. É uma orquestra de crianças e adolescentes, mantida pela Associação São Roque. Antes de ouvirmos a apresentação do conjunto, Leonardo Gorosito “entrevistou” a professora Ana Cristina Lago, que explicou sobre o projeto. Sua fala destacou a preocupação em fazer tudo com alta qualidade (como na compra dos instrumentos) e alto nível técnico (como no trabalho dos professores).

Essa qualidade e esse alto nível técnico ficaram evidentes quando ouvimos o grupo se apresentando. A primeira peça que tocaram foi identificada no programa como Coral nº 23 de Bach. Na verdade trata-se de um tradicional hino cristão cuja melodia foi usada por muitos compositores. Bach a empregou em trechos da Paixão Segundo São Mateus e também na Cantata BWV 159. Em português o hino é conhecido pela primeira frase da tradução: “Ó fronte ensanguentada”. Nesta versão, adaptada para Orquestra de Cordas, desde o primeiro acorde pudemos ficar com a certeza de que seria uma grande tarde.

A orquestra revelou um som puro, equilibrado, consistente. A afinação era perfeita. Os olhos pareciam estar nos enganando, por víamos músicos de tão pouca idade no palco e ouvíamos um som que revelava um trabalho musicalmente tão amadurecido.

A Orquestra de Cordas seguiu o programa e nos apresentou Festa na roça de José Eduardo Gramani, Dança dos meninos de Marco Antonio Guimarães e a Valsa nº 2 de Shostakovich. A gente ia ouvindo essas peças e ficando entusiasmado, porque são obras clássicas, bem escritas, trabalhadas a partir de compositores que conheciam e dominavam a harmonia e o equilíbrio dos instrumentos.

Mas já ia dando um pouco de medo, porque a gente via no programa que logo a orquestra tocaria Michael Jackson e Coldplay. É o tipo de coisa que pode dar muito errado, fazer adaptações de música pop para uma orquestra de cordas. E não faltam exemplos de arranjos ruins e execuções sofríveis. Mas foi uma surpresa e tanto, porque as músicas foram adaptadas com maestria para o conjunto de cordas. E soaram ainda melhor do que as peças clássicas, mostrando que isso é parte importante na formação dessas crianças e jovens: aproximar o universo musical dos clássicos e do entretenimento mais acessível comercialmente.

Na verdade os problemas de adaptação das músicas para a formação de orquestra de cordas devem ter sido imensos em todo o programa. Nem a peça de Bach foi escrita originalmente para a formação – ela precisou ser adaptada, tanto quanto a de Michael Jackson. O programa não nos deu essa informação, e ainda não consegui fazer a pesquisa, por isso não sei quem escreveu as partituras que a orquestra tocou. Sobre esse trabalho de transcrição e arranjo fico devendo pra vocês. Com certeza vou escrever mais sobre essa orquestra, então vou conseguir trazer logo mais informações.

O Coro de Metais do Projeto Dorcas

Depois ouvimos a apresentação do Coro de Metais, sob direção do maestro Tadeu Malaquias. Ver os músicos subindo no palco com seus instrumentos nos intrigou: como crianças e adolescentes tão pequenos poderiam tocar instrumentos tão pesados? Pesados no sentido físico de carregar trombones e bombardinos, do fôlego necessário para os instrumentos, da pressão dos lábios e dentes sobre os bocais. Ouvi dizer que para iniciar nestes instrumentos precisa ser um jovem já mais maduro fisicamente, com dentição definitiva, mas o trabalho de Malaquias mostrou que pode-se iniciar muito cedo e chegar logo a um alto nível com estes instrumentos.

Respondendo à pergunta de Leonardo Gorosito, Malaquias explicou que os jovens vêm para o conjunto após aulas de musicalização e flauta doce. Escolhem o instrumento a partir da experimentação, que lhes dá o conforto da melhor adaptação às suas características individuais.

O repertório adequado para esta formação é um problema ainda mais grave que para um conjunto de cordas, pois não é fácil encontrar partituras. Também fiquei sem saber quem fez os arranjos. A parte do programa original para a formação deve ter sido a Fiesta de los bravos de James Swearingen. As outras peças eram adaptações de músicas conhecidas de outras formas culturais: The raising fighting spirit de Toshiro Masuda, tema do anime Naruto; o tema de Piratas do Caribe, de Klaus Badelt e um arranjo de Ana Julia, da banda Los Hermanos.

As crianças do Coro de Metais também demonstraram maturidade musical, som puríssimo e afinado, interpretação segura. Ficamos surpresos com uma música que não estava no programa, e foi anunciada por Leonardo Gorosito: Final countdown, regida pelo maestro Cauê Felipe. Ele era uma das crianças que estava tocando trompete nas outras músicas, e regeu com muita segurança, gestos precisos. Fez muito regente adulto passar vergonha.

Beethoven com a Orquestra Infantil Alegro

Quem tinha assistido o concerto até aqui já estava imaginando que a Orquestra Infantil Alegro viria da junção da Orquestra de Cordas e do Coro de Metais. Com as explicações de Leonardo Gorosito ficamos conhecendo mais um parceiro Alegro que iria colaborar neste concerto.

O maestro Renan Gonçalves trabalha com a Filarmônica Antoninense, outro projeto apoiado pela Alegro. A Filarmônica é um projeto já muito antigo e tradicional na cidade litorânea. Podemos perceber que está ocorrendo um processo de modernização e profissionalização da Filarmônica. Depois de décadas atuando com destaque e formando vários músicos que hoje são profissionais em Curitiba, a Filarmônica agora também atua em parceria com o sistema municipal de ensino. Alunos das Escolas Municipais de Antonina estão aprendendo música através deste projeto.

Mas o Maestro Renan Gonçalves não trouxe seu grupo completo. Apenas alguns músicos cujo nome não cheguei a anotar, como o clarinetista que ajudou a completar o naipe de sopros. O conjunto que ele regeu foi mesmo uma fusão da Orquestra de Cordas e do Coro de Metais, mais alguns músicos que completaram a formação.

Assim, tivemos uma Orquestra Sinfônica quase completa. O suficiente para tocar, com necessárias adaptações para a sua formação, o Finale da Sinfonia nº 5 de Ludwig van Beethoven. Para marcar com fogo a estreia, a peça tinha que ser esta mesma. Página clássica do compositor mais emblemático da música sinfônica moderna – se pensarmos o termo “moderno” como equivalente aos últimos séculos da civilização.

A Orquestra Infantil Alegro fez assim sua estreia. Tocaram Beethoven como “gente grande”. A execução podia ser comparável a uma orquestra de Oficina de Música de Curitiba, que normalmente é formada por músicos muito mais experientes, a maioria já alunos de cursos superiores de música que vêm para os famosos cursos de férias da nossa capital.

estreia da Orquestra Infantil Alegro
Estreia da Orquestra Infantil Alegro no Clube Concordia, com regência do Maestro Renan Gonçalves

Formação musical e formação para a vida

A Orquestra Infantil Alegro surpreende, e muito. Quando somos informados que se trata de uma orquestra de crianças e adolescentes que estudam música em projetos em áreas de vulnerabilidade da Região Metropolitana de Curitiba já nos preparamos para esperar muito menos. O que surpreende é o nível de profissionalismo, a alta qualidade da interpretação musical. A sonoridade orquestral e a interpretação musical. A afinação perfeita.

Eles são apenas crianças e adolescentes, mas já viram descortinar em sua vida a possibilidade de participar de um grupo musical muito sério. Se quiserem, poderão se profissionalizar como músicos. Muito provavelmente a maioria vai desenvolver outras atividades profissionais, para as quais levarão uma experiência cultural riquíssima. O principal efeito colateral será que eles serão profissionais que já se acostumaram com coisa boa: alto esmero técnico. Eles não vão se conformar com pouco. Isso é Alegro.

Comentários

2 respostas para “A estreia da Orquestra Infantil Alegro”

  1. Avatar de Davi Albuquerque
    Davi Albuquerque

    Excelente apresentação, por se tratar de músicos amadores não tenho nhã como ser melhor. Que o Instituto Alegro com a presidência do Edward possa cumprir na íntegra esse projeto de transformação através da música.

  2. Avatar de Helma Haller

    Muito bom, Andre!!!
    Que bom que você foi e já tinha o contato. Eu havia me lembrado de que deveria haver um encontro entre você e o Edward!
    Abraço