Este post é uma apresentação de José Penalva (1924-2002), o maestro e compositor campinense que fez sua carreira em Curitiba, também padre e teólogo claretiano. As informações aqui contidas são sintetizadas a partir do livro José Penalva: uma vida com a batina e a batuta, de Silvana Bojanoski e Elizabeth Seraphim Prosser (Curitiba: Editora Unificado, 2006).
A formação e os anos iniciais
José Penalva nasceu em Campinas em 1924, e começou a estudar música com a mãe. Ela faleceu quando ele tinha 6 anos de idade. Aos 11 anos ingressou no ginásio dos claretianos em Rio Claro – SP. Ali iniciou os estudos formais de música, e assumiu aos 14 anos a regência do coro da instituição. Começava assim uma das suas principais atividades profissionais, que iria desenvolver com excelência até o fim da vida.
Em 1941 transferiu-se para a sede do Noviciado dos claretianos em Guarulhos. Em 1942 chegou em Curitiba para completar seus estudos teológicos no à época Seminário Maior dos claretianos. Aqui viveu o restante de sua vida e construiu sua carreira, tornando-se um dos nomes mais importantes da cultura local.
Logo que chegou à cidade começou a participar do coro chamado Orfeão Claretiano, reputado como um dos melhores do estado. Com este coro participou de diversos concertos em teatros e igrejas, muitas vezes com participação de orquestra. Fundou também um conjunto vocal dos seminaristas, chamado Schola Cantorum Aloysiana.
Ainda como seminarista tornou-se colaborador assíduo da revista Vida Claretiana, escrevendo artigos sobre teologia entre 1945 e 49. Ao final deste ano foi ordenado sacerdote. Durante o período no seminário compôs as primeiras obras, vocais e religiosas. Mais tarde considerou a produção da década de 1940 como exercícios ou obras de juventude quando da organização de seu catálogo.
Padre ordenado, professor e compositor – a vida profissional
Em 1950 transferiu-se para Guarulhos-SP para trabalhar no Instituto de Filosofia Claretiano. Ali atuou como professor de filosofia e de música, e também como regente do coro do Instituto e do coro paroquial. Neste período estudou teoria e composição musical com o professor Savino de Benedictis.
Em 1953 retornou a Curitiba como padre coadjutor do Instituto, e assumiu diversas outras funções. Foi professor de Teologia, História do Cristianismo e Música no Instituto Claretiano e padre na Igreja do Imaculado Coração de Maria. Foi diretor da Congregação Mariana, diretor da revista Vida Claretiana e regente do coro paroquial. Manteve as aulas com Savino de Benedictis durante as férias.
Entre 1956 e 58 residiu em Roma para fazer seu doutorado em Teologia. A tese foi publicada em português em 1987 com o título Credibilidade racional da fé cristã segundo Guilherme de Alvérnia (1191-1249). Em seu período na Itália especializou-se também em música da Renascença e em Canto Gregoriano.
Em 1958 retornou a Curitiba e reassumiu sua atividade paroquial. Suas missas se tornaram célebres, tanto por sua homilia como pelo uso do coro paroquial, que ele mesmo regia. Sua ida à Itália fazia parte de um plano de ampliação do Instituto Teológico dos claretianos em Curitiba, que quando de sua volta já estava reformado e ampliado. O Instituto transformou-se num importante centro de formação teológica para diversas congregações e ordens católicas. Com o trabalho de líderes católicos e participação de Penalva, em 1962 o Instituto foi transformado em Studium Theologicum, conveniado à Universidade Lateranense de Roma. Em 1975, seria incorporado à Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Doutor em teologia, professor e referência na música sacra
Em 1962 Penalva se notabilizou por ministrar em sua paróquia cursos sobre a encíclica Mater et Magistra, publicada em 1961 pelo papa João XXIII. Como professor de teologia, produziu material didático em forma de apostilas, que viria a ser publicado em livros na década de 1990.
Desde 1959 começou a se destacar também por sua atuação em prol do ecumenismo cristão, organizando a Semana de estudos sobre o protestantismo no Instituto Teológico. Em 1962 publicou o livro Concílio e união das igrejas, sobre as demandas ecumênicas que faziam parte do Concílio Vaticano II que se iniciava. A partir desta época participou em inúmeras cerimônias ecumênicas com o pastor presbiteriano Oswaldo Emrich.
Logo que retornou a Curitiba passou a envolver-se institucionalmente com a administração da música litúrgica. Passou a participar da Comissão de Música Sacra da Arquidiocese de Curitiba e foi presidente da Comissão de Música Sacra do Congresso Eucarístico Nacional em 1960. Em suporte a esta comissão, produziu 8 teses de trabalho sobre variados temas relativos à música litúrgica. No período de 1966 a 71, participou ativamente do processo de reorganização litúrgica pós concílio. Atuou nos 6 Encontros Nacionais de Música Sacra promovidos pela CNBB.
Participou do Movimento de Renovação da Música Sacra, que mobilizou compositores brasileiros. Forneceu-lhes textos litúrgicos para que compusessem obras musicais. Este projeto foi desencadeado a partir de uma reunião durante os Seminários de Música do Paraná, em 1968. O grupo contou com a presença dos compositores José Penalva, Osvaldo Lacerda, Enst Widmer e Edino Krieger. Viriam a se unir ao grupo outros compositores, como Lindembergue Cardoso e Henrique Morozovicz. Algumas das obras resultantes do movimento foram publicadas pela editora Irmãos Vitale, outras seguem inéditas até hoje.
Professor, regente e musicólogo renomado
Em 1959 José Penalva assumiu a cadeira de professor da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP), onde lecionou contraponto e fuga até a década de 1980. Em 1963 foi um dos fundadores da Sociedade Pró-Música de Curitiba. Criou e passou a reger o Coro da Pró-Música, que se tornou um grupo de notabilidade nacional e internacional. Entre 1965 e 77 foi professor a trabalhou na organização dos Festivais Internacionais de Música do Paraná.
Além das atividades de professor de música, regente e compositor, dedicou-se também à crítica musical e à musicologia. Entre 1961 e 75 assinou a coluna de música do jornal católico Voz do Paraná. Durante suas visitas à família em Campinas, passou a pesquisar o acervo do compositor Carlos Gomes. Escreveu vários artigos e dois livros sobre o compositor. Em 1972 escreveu um informe sobre o acervo musical do Arquivo Eclesiástico de Mariana. Este texto é reputado pelo Musicólogo Paulo Castagna como uma importante reflexão sobre os métodos da musicologia. Essa discussão só se desenvolveria mais seriamente no Brasil a partir do final do século XX.
O trânsito para a vanguarda e o legado para a cultura de Curitiba
No início da década de 1970 a corrente de renovação da música sacra à qual Penalva era ligado foi superada por movimentos ligados à canção popular. Isso o afastou da produção litúrgica como compositor. Em 1972 e 73 foi novamente à Itália, para revisão teológica, mas acabou estudando principalmente música, com Boris Porena. Estes estudos, somados a um período de estudo com Damiano Cozzella em São Paulo em 1959 e 60, marcaram a aproximação de Penalva com as técnicas de composição de música de vanguarda. Como compositor, passou a um maior desenvolvimento de obras não litúrgicas e obras instrumentais ou orquestrais a partir da década de 1970. Abandonou as técnicas de composição tonais, passando a adotar atonalismo, serialismo, aleatoriedade, entre outras técnicas da vanguarda.
Desde a década de 1960 Penalva dirigia um grupo vocal de menor tamanho, com cantores selecionados a partir do Coro Pró-Música, que se chamava Madrigal Pró-Música. Em 1982 o grupo se desvinculou da Sociedade Pró-Música e se transformou no Madrigal Vocale, que Penalva regeu até sua morte, e que foi assumido depois por seu assistente Bruno Spadoni, continuando em atividade até hoje.
O livro recomendado acima, base para este post, é leitura obrigatória para conhecer a biografia do compositor. Também vale à pena assistir o documentário Pe. José Penalva: o mestre da música, dirigido por Ulisses Iarochinski. O vídeo tem depoimentos de pesquisadores e conhecedores da obra de Penalva como Elizabeth Prosser, Maurício Dottori, Bruno Spadoni e Carmen Célia Fregoneze, bem como de colegas de sacerdócio e de teologia.