O concerto de encerramento da 32ª Oficina de Música

Ainda não colocaram no Flickr da FCC as fotos do concerto de ontem, então vai esta foto do ensaio da orquestra, com a regência de Osvaldo Ferreira. Ele que é o diretor musical da parte de “música erudita” (ô nominho complicado) e que dirigiu ontem a orquestra de alunos (e alguns professores dando uma força) no que foi o encerramento da primeira parte da Oficina de Música e também sua despedida da cidade, afinal, o maestro não estará mais à frente da OSP em 2014.

Em primeiro lugar, o concerto de ontem serviu para mostrar o que a cidade está perdendo ao deixar ir embora um maestro deste nível. Orquestra da Oficina fazendo um concerto tão bem tocado eu só me lembro dos tempos em que Alceo Bocchino estava no pódio, dirigindo sua classe de orquestra (mas eram sinfonias clássicas, não Mahler e Villa-Lobos).

Por outro lado, o concerto serviu para mostrar que as impressões que eu tive com o concerto de abertura eram parciais e limitadas. Se por aquele concerto eu pude achar a Oficina pouco ambiciosa do ponto de vista de seu significado para a cidade, por este concerto eu posso dizer o contrário: é a exata noção de como fazer os alunos dos cursos se engajarem numa experiência musical altamente significativa para suas vidas e para a vida da cidade. (Minha crítica do concerto de abertura está aqui, e se tratava de um corpo estável profissional da cidade, ao contrário deste concerto que foi executado pelos jovens alunos do curso.)

Este concerto de encerramento teve diversas coisas, todas muito significativas.

Primeiro, a classe de regência e coral infantil. A professora Yara Campos regeu o grupo, formado por alunos da oficina – crianças da cidade que se inscreveram e crianças de lares da prefeitura. O conjunto foi completado por alguns regentes que fizeram o curso, mas não todos, para que o timbre adulto não prevalecesse sobre a voz das crianças. As crianças começaram cantando mal, talvez nervosas com a primeira vez que subiam num palco – e já era logo o palco mais importante da cidade. Mas aos poucos foram assumindo o controle da situação e cantando cada vez melhor: vozes bem trabalhadas dentro do que permite o limite de uma semana de curso. A regência de Yara foi fantástica, o repertório bem escolhido e tudo bem trabalhado. Criança pode fazer muita coisa importante, desde que a gente não subestime a capacidade deles. Aliás, fica a ótima pedida: porque não fazer um coro infantil permanente mantido pela prefeitura funcionando o ano inteiro? Curitiba já tem alguns bons corais infantis, mas é pouco para o tamanho da cidade.

Saindo as crianças vieram os adultos da aula de regência coral, comandados pela professora Mara Campos. Quatro obras para coro à capela de Henrique de Curitiba, compositor homenageado pela ocasião dos 80 anos de seu nascimento. A viúva e o filho subiram ao palco para receber homenagem em seu nome. Mara Campos regeu magistralmente, e o grupo mostrou a qualidade da preparação vocal de Lúcia Passos. Mara Campos demonstrou conhecer profundamente a obra de Henrique de Curitiba, deu depoimento pessoal sobre o compositor, e mostrou como fazer uma homenagem relevante para a memória da cidade e para a formação de novas gerações de músicos. E fica mais uma ótima pedida: porque os grupos da cidade não programam os compositores locais?

Depois veio a orquestra de cordas, formadas por jovens alunos, e complementada por quatro percussionistas, tocando arranjos de temas de filmes. Cada peça foi regida por um dos alunos da classe de regência de orquestra, e todos demonstraram bom gestual e boa capacidade de condução do conjunto. Foram eles: Eudes Stockler, William Lentz, Neylson Crepalde, Gesiel Vilarubia e Rodrigo Lara. Foi o momento de descontração para o público presente, com um repertório mais leve que favoreceu a execução de músicos muito jovens no conjunto e permitiu experiência de palco a regentes ainda em formação. Vale lembrar que o Brasil é um país sem orquestras, o que significa que são raras as oportunidades para instrumentistas e regentes aprendizes praticarem suas habilidades.

Voltou ao palco a regente Mara Campos, desta vez com um coral de 160 vozes, formado por pessoas da cidade que se inscreveram para a prática coral. Então foi a apresentação de Poema Sonoro – evocação das montanhas, certamente a música mais famosa de Henrique de Curitiba, pois foi gravada por Milton Nascimento (neste disco). O arranjo coral foi de Mara Campos.

O coro de 160 vozes ficou no palco e subiu a orquestra de alunos, regida por Osvaldo Ferreira. Primeiro para fazer as quatro peças do Lieder eines fahrenden Gesellen de Mahler, soladas magistralmente pela professora Eiko Senda. Como são belas as peças de Mahler para voz e orquestra! A execução foi digna, uma obra bem difícil.

E o grande final do concerto foi o Choros nº 10 – “Rasga o coração” de Villa-Lobos. Com coro e orquestra. É uma peça fantástica, talvez a melhor obra de Villa-Lobos, talvez o produto artístico mais significativo que o Brasil já mostrou ao mundo, pois a peça foi parte do repertório que consagrou Villa-Lobos em Paris na década de 1920 e colocou seu nome na lista mundial dos grandes compositores. Peça bem difícil pois a orquestração não é convencional em nenhum momento, exige bastante dos sopros e da percussão, e as partes de cordas também não são nada simples. O único defeito pra mim foi a ideia de amplificar o coro. Talvez pelo medo de que as vozes amadoras não conseguissem o volume necessário, coisa que eu acho que não seria problema pois, mais uma vez a preparação vocal de Lúcia Passos deu mostras de que é possível preparar bem um grupo amador mesmo com pouco tempo de ensaio. E a amplificação fez perder todo o efeito de espacialidade sonora que é tão importante numa peça ao vivo, jogando o som do coro para frente da orquestra e superando o volume do instrumental com um pouco de desequilíbrio.

O Guairão estava cheio, mostrando que o evento é significativo para a cidade (mesmo numa época em que muita gente está fora). O prefeito Gustavo Fruet estava lá, o que só me lembro de acontecer com essa normalidade nos tempos de Jaime Lerner, outro político que era frequentador de concertos por hábito cultural e não conveniência de ocasião.

O evento foi uma grande mostra de como a parte artística da Oficina foi bem dirigida por Osvaldo Ferreira, um maestro que sabe montar programação relevante e liderar os músicos com sucesso em empreitadas difíceis. Sua atuação como regente da OSP nos últimos dois anos é assunto para outro post (que está no forno), mas já fica patente a perda que será não tê-lo aqui durante o ano. Esperamos que continue com a Oficina, e que volte em melhores condições para dirigir um grupo permanente, afinal, não é fácil conseguir um regente europeu de bom nível para uma cidade como Curitiba, e a atuação de Osvaldo Ferreira foi generosa e competente, evidenciando o quanto são despreparadas as pessoas que deveriam dar as condições para ele desenvolver seu trabalho.

Duvido que houvesse melhor maneira de encerrar uma Oficina, e acho que deve ter sido mesmo o melhor encerramento de todos os que já foram feitos. Teve todos os ingredientes necessários: envolveu professores e alunos, adultos e crianças, profissionais e amadores, gente de fora e da cidade. Teve desde peças simples até obras das mais complexas do repertório musical. O conjunto do programa foi capaz de agradar tanto músicos profissionais quanto amadores com pouca experiência. Foi significativo tanto para a experiência musical dos que estavam no palco, coroando seus dias de aprendizado no curso, como para os que estavam na plateia e para toda a vida musical da cidade. Não vimos sombra da timidez e do medo que costumam dirigir nossas políticas culturais. Vimos a ousadia de mostrar que é possível ser relevante, fazer coisas importantes com o que se têm à mão. Que o desenvolvimento cultural está ao alcance, com muito trabalho. Apontou caminhos que eu espero que Curitiba tenha a decência de seguir, não se conformando com menos.