Eu gostaria de escrever um texto mais profundo sobre esse assunto, mas no momento não tenho tempo. Enquanto não faço isso, alguns comentários rápidos e alguns links para ajudar a pensar o caso todo.
Vladimir Safatle escreveu em sua coluna na Carta Capital que não são os 10% que quebrarão o país:
http://www.cartacapital.com.br/politica/o-que-quebrara-o-pais/?autor=961
Se entendi direito, o Plano Nacional de Educação está sendo aprovado com este indicativo de investimento de 10% do PIB em educação. O Ministro Guido Mantega deu a declaração que motivou o texto do Safatle.
Pra mim a questão toda é uma confusão absurda. Não há como medir o investimento em educação como percentual do PIB, muito menos aplicá-lo. De modo que a lei é burra neste sentido. O governo pode estabelecer metas de investimento público em educação apenas como percentual da arrecadação. E o investimento em educação não pode incluir apenas a conta do gasto público, afinal as famílias fazem grande esforço de investimento em educação pagando escola, cursos, material didático, livros e etc.
De qualquer modo, aqui vai a página de tramitação do Plano Nacional de Educação 2011-2020:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490116
Foi o projeto de lei que recebeu o maior número de emendas na história do parlamento brasileiro, o que se pode perceber simplesmente rolando esta página aí. Foi um trabalho hercúleo da comissão especial, e o projeto teve ampla discussão com a sociedade. O problema é que muitos deputados não respeitam esse processo, e ficam se metendo a apresentar proposta individual. Pensam que têm o rei na barriga as pobres excelências.
Quero trazer para o debate o texto do Catatau sobre a greve:
http://catatau.wordpress.com/2012/07/12/o-governo-e-a-greve/
Muito importante a reflexão lá, mas há um erro grave. O salário de Doutor não é de R$ 2.300 como ele diz. E não há esse papo de gratificações que não são levadas para aposentadoria. O problema com as gratificações é que elas são penduricalhos jurídicos, e não são estáveis. Podem ser extintas por qualquer governo. O salário atual é de mais de R$ 7 mil, como se pode ver nas tabelas que são apresentadas na proposta do MEC.
Proposta do MEC:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=14751
Olhando meramente as tabelas, ficamos com a impressão de uma proposta magnânima do governo. Mas é sempre bom olhar o outro lado, que está na análise detalhada da proposta do governo feita pelo sindicato.
Análise do sindicato:
https://docs.google.com/file/d/0Bzz4VZkJH1bscElSZXhsd1dmNVU/view?pli=1&sle=true
Vejo um problema seríssimo na proposta do governo: cadê a proposta para os técnico-administrativos? A universidade não é feita só de professores. E sabemos que os porblemas são muito mais amplos que a questão salarial e do plano de carreira. Existe um problema sério de custeio das universidades, e faltam investimentos em infra-estrutura. Ao menos a proposta do governo também contempla a contratação de professores e funcionários, que é realmente o grande gargalo atual das Universidades Federais.
Agora, as reivindicações vão por caminhos que carecem completamente de bom senso, e acho que a sociedade deveria pressionar de forma mais ampla contra o caráter corporativista da greve. O sindicato reclama, isso eu acho que com razão, da distância muito grande que existe nos degraus mais altos da carreira. Ou seja, o cara pena nos anos iniciais, e ganha coisa demais no final de uma carreira de excelência (a qual dificilmente tem condições práticas de atingir).
O problema é que o sindicato não quer aceitar que sejam diferentes os cargos de professor de Universidade e professor de Instituto Tecnológico (Ensino Médio). Também não quer aceitar que os títulos de mestrado e doutorado sejam exigências para ascender em certos níveis da carreira. Também não quer aceitar a exigência de apresentação de tese de titularidade para atingir o último grau da carreira – o de Professor Titular. É óbvio para quem conhece o sistema universitário que as exigências do sindicato são absurdas, e vão contra as tentativas do governo de imprimir qualidade na produção acadêmica e cobrar resultado dos recursos investidos no ensino superior, que não são poucos.
Por último, os comentários de linhas mais gerais:
É muito estranho que o governo tenha demorado tanto para apresentar uma porposta decente para as universidades. A carreira de professor doutor no Brasil é ridiculamente inferior às carreiras que exigem muito menos instrução e fazem serviços muito menos relevantes na burocracia do executivo, do legislativo ou do judiciário. Mais ou menos numa comparação grosseira, professor doutor pesquisador altamente produtivo ganha o mesmo que desentortador de clipe com nível médio no Judiciário e no Ministério Público.
Complementando o racicínio do Safatle: investimento em educação é uma das coisas de maior retorno em crescimento econômico e qualidade de vida. Num momento em que o governo faz esforço para gastar dinheiro e animar a economia, é ridículo pensar que não pudesse fazer isso investindo nas universidades. Na maioria dos setores (infra-estrutura de transportes, por exemplo) há recursos sobrando para investir, e faltam projetos e capacidade de gestão. Nas universidades é o contrário – há projetos e capacidade de execução, faltam recursos.
O ensino universitário é estratégico para o país, mas não faz nenhum sentido o abismo existente entre a remuneração e as condições de trabalho dos professores de universidades públicas e os professores do Ensino Básico. Se não resolvermos esta questão urgentemente, não há qualquer esperança para o país.
Comentários
4 respostas para “A carreira de professor, a greve nas federais e o gargalo da educação no Brasil”
Oi André!
Obrigado pela crítica, muito justa. Coloquei algumas impressões bastante antigas sem checar, com o agravante das mudanças recentes nas regras da aposentadoria. Eu estava pensando em aposentadoria ligada ao salário e ao tempo de serviço, não à contribuição. Enfim, falha minha e obrigação de corrigir o post.
Quanto ao salário, entretanto, é como você disse: é um vencimento base com penduricalhos. E o vencimento é 2318 reais, agora acrescido com uma das gratificações, de 1098, e uma pequena porcentagem. Em torno de 3500 reais, portanto. O resto é penduricalho enquanto não virar salário.
Abraços e obrigado,
Oi Catatau,
mas veja: Dedicação Exclusiva não é exatamente um penduricalho – é simplesmente uma coisa fundamental como regime de trabalho que faz o professor pesquisador. Existe a opção de não ter dedicação exclusiva para os casos em que o professor prefere dar aulas em outros lugares (não vai conseguir fazer pesquisa desse jeito) ou exercer carreiras profissionais fora do magistério. E o sistema de implantação é controlado pelo próprio corpo dos professores, de modo a evitar apenas que alguém ganhe o adicional sem fazer pesquisa. Acho que penduricalho são aquelas coisas de Gratificação de Estímulo à Docência (que de qualquer modo foram incorporadas ao salário base desde o Governo Lula). O salário atual de um doutor com dedicação exclusiva é de cerca de 7300 reais (bruto – tem um monte de descontos nisso aí). E o governo fez uma proposta salarial generosa para subir isso para mais de 10.000 reais.
Olá André,
Mas a “gratificação por titulação” é também um “penduricalho jurídico” não incorporado ao vencimento básico (VB); mas boa parte dos professores sem Dedicação Exclusiva são 40h, e o salário de 40h para doutor é 2618 (VB reajustado) + 1853 (Gratificação por Titulação de DOUTOR), somando 4472.
Parece pouco razoável que um professor 40h escolha fazer outras atividades ao invés de buscar um vínculo de DE. Posso dizer que todos os que conheço buscaram e buscam DE, alguns inclusive deixando atividades bastante lucrativas de lado.
Não compreendi também como um Dr. Adjunto I (o de 7300) ganhará depois 10000 reais segundo a proposta do governo. Qual foi a conta que você fez e o ganho apresentados, em detrimento das perdas salariais já colocadas pelo movimento da greve? Ou você não concorda com as reivindicações deles?
Finalmente, não entendi direito o que estamos debatendo… entendi que você também havia falado que os professores estão sendo precarizados.
Oi Catatau,
demorei pra ver teu comentário aqui, me desculpe.
Estamos debatendo picuinhas de detalhe do texto, por que certamente estamos dando um enfoque muito parecido à questão.
Minha discordância com você é meramente uma questão de apresentação formal – tentar apresentar a situação como se fosse pior do que é de fato para conseguir a simpatia do público em geral.
O valor que eu escrevi no comentário está lá na proposta do governo, linkada acima. O reajusta proposto pelo governo de fato não repõe as perdas salariais acumuladas desde 1994. É preciso que se reforce que os professores de Universidades Federais tiveram apenas um reajusta nos últimos 18 anos. Certamente o salário está achatado – mesmo assim continua sendo muito maior que os salários dos demais trabalhadores na área de educação.
As reividincações do movimento que eu não concordo, e aliás considero altamente abusivas (estão no documento da ANDES linkado acima): acabar com a exigência de mestrado e doutorado para ascender nos níveis da carreira e unificar as carreiras de professor universitário com a de professor de Ensino Médio.
O novo plano de carreira apresentado é razoável. Acho que a greve deveria acabar, mantendo um canal de pressão para que haja um plano de melhoras contínuas que evitem que continue acontecendo o que aconteceu nos últimos governos, com longo congelamento de salários, falta de contratações para repor aposentadorias e demissões bem como falta de investimento na estrutura física.
No mais, considero que greves prolongadas como essa dão resultado negativo perante a opinião pública – e os sindicatos deveriam levar isso em consideração. Estamos agora com indicativo de greve também nas estaduais do Paraná, que eu espero que seja revertido com o anúncio do governador de que está enviando projeto à AL que cumpre acordo salarial negociado para igualar o salário de professores com o dos técnico-administrativos (hoje nas estaduais um técnico de laboratório com doutorado ganha mais que o professor doutor que coordena a pesquisa no laboratório).