Reforma Política em debate no Departamento de Ciências Sociais da UFPR

Foi na última sexta (05/07) às 18:00 horas no Anfiteatro 100 do prédio da General Carneiro. Eu ia presenciar, mas descobri que iam transmitir pela internet, então fiquei ouvindo em casa mesmo. A transmissão foi pelo Google Hangouts e funcionou muito bem. Acho que os eventos acadêmicos deviam adotar sempre. O vídeo completo está agora disponível online, e vai ao final deste post.

Quem organizou o evento foi o prof. Adriano Codato (lattes), um dos coordenadores do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira e do Observatório de Elites Sociais e Políticas do Brasil.

Participaram como conferencistas/debatedores os professores Emerson Urizzi Cervi, do DECISO/UFPR (lattes), Eneida Desiree Salgado, do Direito/UFPR (lattes) e Luiz Domingos Costa (lattes).

O negócio todo foi muito esclarecedor, e acho que vou assistir de novo. Desmistificou muita coisa pra mim. Coisa que a gente escuta o galo cantar mas não sabe onde. Pautas conservadoras travestidas de progressismo, medidas inócuas apresentadas como panaceias e coisas que só podem complicar oferecidas como se fossem muito simples. Também reforçou algumas coisas que eu já tinha como intuição.

Vou fazer a minha síntese, grosseira, porque em poucas palavras. Você vai assistir tudo no vídeo abaixo e vai chegar às suas próprias conclusões, é claro.

Primeiro, uma síntese da minha posição sobre reforma política antes de assistir o debate, porque o legal é ver como eu mudo de opinião a partir de uma discussão bem mais fundamentada.

Eu sou de esquerda, ou pelo menos acho que sou. Assim, minha pauta para reforma política era uma que pretendia ampliar a participação popular e o controle público, diminuindo a influência do poder econômico e dos grupos de elite, fortalecendo os partidos e o poder do eleitor. Eu tendia a considerar que uma reforma política é mais que urgente, porque os políticos e os partidos brasileiros não prestam – mas sei das dificuldades e achava que ajustes pontuais são melhores que mudanças muito profundas. O eleitor aprende a tirar o melhor possível do sistema que tem na mão, e a história recente do comportamento dos eleitores tem confirmado esta hipótese. Minha reforma política incluía financiamento exclusivamente público de campanha para equiparar a disputa e diluir a força do poder econômico (principalmente favorecer uma maior diversidade das candidaturas, que o sistema atual dá muita força a certas oligarquias já bem arraigadas no sistema político). Incluía a diminuição do número de partidos (com cláusulas que dificultassem a sobrevivência dos partidos nanicos) e a exigência de democratização de suas instâncias decisórias. Incluía o fim da coligação nas eleições proporcionais. Uma limitação das reeleições legislativas. Uma diminuição da duração dos mandatos de senador.

Então, eis que os argumentos muito bem fundamentados que a gente vê dos pesquisadores que estudam a fundo o tema evidenciam algumas questões que merecem ponderação.

Em primeiro lugar, há que se pensar que um bom sistema político tem que equacionar a vontade da maioria com os direitos das minorias. A ânsia por progresso político e renovação com um mínimo de estabilidade institucional. O respeito à vontade do eleitor sem que isso descambe para uma banalização do processo decisório, levando em conta que há questões técnicas que só podem ser discutidas com profundidade por especialistas nos assuntos tratados.

Neste sentido, é muito interessante a visão da profª. Eneida, que ressalta a importância da estabilidade e da profundidade das discussões técnicas. Como constitucionalista, ela vê a necessidade de uma estabilidade jurídica capaz de garantir que não se percam direitos fundamentais adquiridos a duras penas. A Constituição Brasileira já vem passando por um número excessivo de emendas e reformas, o que não tem sido positivo – por esta ótica, uma mudança pontual em alguns dispositivos seria bem melhor que uma reforma constitucional mais profunda.

Aí o ponto em comum entre todos os debatedores: a maior parte das mudanças propostas até o momento são fadadas a provocar uma sensível piora do quadro institucional. Limitar doações financeiras, número de partidos, tempo de campanha – tudo isso contribui para reduzir o já parco debate político. O aprofundamento da democracia custa caro, muito caro. E isso é positivo – há que se evitar a superficialidade e a banalização da política. O pior dos mundos seria uma imaginada democracia direta onde os sujeitos (de preferência quem não receba bolsa família) recebem perguntas pelo smartfone e respondem “sim” ou “não”.

Também é a professora Eneida quem pontua a questão de que se houvesse hoje a oportunidade de fazer uma “constituinte”, provavelmente o resultado seria uma Constituição bem pior, muito mais conservadora do que a que já temos. Afinal, há um recrudescimento de vários tipos de conservadorismo, religioso ou não, e uma Constituição mais difícil de alterar acaba sendo uma importante garantia de direitos fundamentais. Curioso que, ao mesmo tempo em que estava tendo este debate na UFPR, o programa Fim de expediente da CBN estava com a participação de Kennedy Alencar, que dizia que o plebiscito não é ruim, nem muito menos “bolivariano” – é um recurso legítimo de ouvir a opinião popular. (O programa da CBN pode ser ouvido aqui)

Se me lembro bem, uma conclusão meio geral no debate foi de que não precisamos de mudanças constitucionais para fazer uma reforma política decente. Ou seja, abandonemos a tal ideia de constituinte exclusiva.

Quais seriam os grandes problemas do funcionamento das nossas eleições e partidos (termos normalmente confundidos com “política”)?

Sem obedecer a ordem, arrisco lembrar de alguns pontos indicados pelos professores (era para eu ter feito este texto logo após o debate, mas alguns contratempos me colocam agora a alguns dias de distância).

A profª. Eneida aponta para a questão da participação feminina como um dos grandes gargalos da nossa legislação política. Atualmente temos cotas de candidaturas femininas (acho nem sempre são cumpridas). Mas como as mulheres que são lançadas candidatas para cumprir a cota geralmente estão em severa desvantagem em questão de financiamento e desenvolvimento da campanha, a votação obtida pelas candidaturas femininas é muito inferior. Se me lembro direito, o prof. Luiz Domingos Costa trouxe um dado de que as candidaturas femininas atingiram cerca de 20% do total de candidatos legislativos, mas ficaram com apenas 8% dos votos. Para mim isso ficou claro quando analisei as candidaturas do PT do Paraná a deputado federal em 2010: dos 12 candidatos que o partido indicou na coligação, 4 eram mulheres, garantindo a cota de 30% das candidaturas. Mas eram claramente candidaturas sem chance de eleição – não eram ligadas a nenhum sindicato, não eram lideranças reconhecidas de nenhum movimento, não tinham exercido cargos públicos e não tinham boa fonte de financiamento. Ou seja, eram candidaturas para perder. (As condições para uma candidatura competitiva estão bem explícitas nesta análise que o DIAP fez à época) Não é coincidência que as candidaturas femininas tiveram o pior desempenho na votação: das quatro, uma sequer foi homologada, e as outras três tiveram resultado pífio (confira nesta tabela a desproporção).

Isso foi uma das coisas que o debate mudou minha posição. Eu defendia o financiamento exclusivamente público de campanha como forma de diversificar mais as candidaturas. Entretanto, talvez não fosse suficiente. Além do mais, a profª Eneida bem argumenta que as empresas têm interesses legítimos nas eleições, nada pior que proibir seu envolvimento (ocasionaria provavelmente uma participação financeira ainda mais obscura do que já é). No caso das candidaturas femininas, a melhor solução seria mudar o sistema de cotas, ao invés de uma cota para candidaturas, uma cota para vagas efetivas, como já existe em vários países. No caso, ao invés de exigir que os partidos apresentem 30% de candidaturas femininas (com este tipo de resultado como o que demonstrei no caso do PT do Paraná), pode-se determinar que 30% das vagas de cada coligação (ou de cada estado) serão preenchidas pelas mulheres mais bem votadas – mudaria as chances reais de ter mais participação feminina. Como analisa a profª Eneida no debate, o Paraná elegeu apenas duas mulheres entre seus 30 deputados federais, uma delas sem nenhuma identificação com questões de gênero (as eleitas foram Rosane Ferreira do PV e Cida Borghetti do PP).

O que mais chocou minha opinião prévia foi a questão pontuada de que nossa legislação de partidos exige que os partidos sejam nacionais para que possam ter registro no TSE. Ao contrário do que eu pensava, o número de partidos políticos é pequeno para um país com a extensão territorial do Brasil, e poucos são efetivamente nacionais. Talvez esta seja o motivo que leva aos dados apresentados no debate (se não me engano pelo prof. Luiz Domingos): há um percentual absurdo de diretórios estaduais e municipais “provisórios”, ou seja indicados pela cúpula, e não eleitos pela base – o que evidencia a absurda falta de democracia interna nos partidos. Ou seja, uma solução mais democrática seria diminuir as restrições para registro de partidos, permitindo partidos regionais. Mas em contrapartida, deveria se exigir diretórios eleitos. Os partidos nacionais ficariam apenas para eleições de cargos nacionais (basicamente presidente), enquanto as eleições legislativas poderiam ser mais diversificadas.

Ao final do debate foram feitas perguntas, e alguém propôs a extinção do Senado, transformando o país numa democracia unicameral. A profª. Eneida também argumentou com a importância do Senado como fator de estabilidade institucional: é a casa onde ficam os parlamentares mais experientes, com mandato mais longo. Não é apenas o lugar do equilíbrio da federação (as vagas são fixas por estado, e não proporcionais ao número de habitantes), mas também o lugar onde as mudanças irresponsáveis enfrentam maiores dificuldades, e onde o governo tem menos possibilidades de tratorar a oposição. Ou seja, se o Senado muitas vezes é considerado uma casa excessivamente conservadora, na verdade isso vem sendo positivo na medida em que impede os riscos de uma instabilidade política ainda maior e mais nociva.

Um outro assunto que vem sendo levantado toda vez que se fala em melhorar a política no Brasil é a questão do suplente de Senador. O que se lamenta é que os candidatos majoritários atualmente colocam parentes ou financiadores de campanha na suplência, o que leva ao Senado figuras obscuras e pouco representativas (caso atual do Senador Sérgio Souza, do PMDB do Paraná, que foi eleito como suplente de Gleisi Hoffman). A profª Eneida apontou para outra questão importantíssima: uma reforma política precisa proibir o recrutamento de pessoas com cargo legislativo pelos executivos, sejam municipais, estaduais ou o federal. Isso tem servido como instrumento de troca política com as bancas, e serve para o Executivo aumentar seu controle sobre as tarefas do legislativo. A solução seria razoavelmente simples: exigir que, para assumir cargo no executivo, um parlamentar renuncie ao mandato. Assim, se quiser trocar o cargo para o qual foi eleito por outro para o qual foi convidado, fica impossibilitado de voltar. O suplente deixaria de ser alguém que “segura o lugar”, o que diminuiria a falta de responsabilidade com a ocupação de cargos eletivos.

Outra questão apontada no debate é sobre o nosso sistema de votação proporcional. Votamos ao mesmo tempo na legenda ou coligação e no candidato nominal, o que configura um sistema de lista aberta. Ou seja, os partidos e/ou coligações apresentam suas listas de candidatos e nós eleitores escolhemos a ordem dos candidatos na lista com nosso voto nominal. O sistema não é muito fácil de entender, é um dos argumentos. O eleitor mal sabe que também está votando no partido, afinal está acostumado a votar em pessoas. Isso tende a ser considerado como negativo, mas os nossos debatedores apresentaram a questão por outro ângulo. Os sistemas distritais como existem em outros países apresentam distorções ainda piores, e o tal do voto distrital misto que se pratica na Alemanha também não é entendido pelos alemães. Acho que foi o prof. Emerson Cervi que disse que os eleitores aprendem a “usar” o sistema eleitoral e os partidos que temos para extrair os resultados que lhe interessam – uma mudança muito grande no sistema de votação teria como consequência imediata desperdiçar todo o aprendizado feito em nossas poucas décadas de eleições livres e democráticas. Aliás, a profª. Eneida lembra que nosso sistema proporcional existe desde a década de 1950, ou seja, já deu tampo de aprender como funciona.

Se dá para resumir tudo em poucas palavras, nossos sistema político eleitoral tem diversos problemas bem sérios, mas nenhuma das propostas em discussão teria o condão de melhorar muito as coisas. Mudanças constitucionais são bastante perigosas. Alterações radicais no sistema de votação tendem a dar resultados nefastos. O melhor é continuar com o sistema atual, fazendo ajustes pontuais nas partes mais problemáticas: notadamente o alto poder do dinheiro nas eleições e nos partidos, a falta de instâncias democráticas nos mesmos, a baixa diversidade de candidaturas e a promiscuidade entre o executivo e os legislativos. Tudo coisa que dá para resolver com mudanças pontuais.

Aliás, não custa lembrar que logo após a promulgação da nossa atual Constituição, foi feito um plebiscito sobre nosso sistema político, e nós eleitores decidimos manter o sistema que já conhecíamos bem: República Presidencialista, desprezando uma volta da monarquia ou uma tentativa de parlamentarismo. Acho bem provável que uma consulta popular (plebiscito) da reforma política nos dê poucas opções praticáveis. A tendência será de mantermos funcionando o que já conhecemos, com um risco de aventuras que podem piorar bastante as coisas que já são ruins. Bons modelos de estrutura política em outros lugares do mundo não são abundantes. Em geral os arcabouços jurídico políticos correspondem a questões mais amplas da estrutura social, o que desestimula mudanças muito drásticas e dificulta a aplicação de modelos importados.

Bom, o negócio é complicado, e um debate como este, com especialistas e pesquisadores do assunto ajuda a por algumas questões às claras. Eu pretendo vasculhar as produções do pessoal, nos links que coloquei lá em cima no início do post. O vídeo completo do debate está abaixo. A câmera ficou ligada desde o início da preparação do evento, e começa efetivamente lá pelo minuto 6:00. O som não é muito bom, melhor ouvir com fone de ouvido.