Parece que Um bonde chamado desejo é um dos grandes clássicos da literatura e da dramaturgia norte-americanas. É realmente um grande texto de Tenessee Williams, com dois personagens muito fortes: Blanche DuBois, uma herdeira arruinada de proprietários do Mississipi e Stanley Kowalski, um filho de imigrantes poloneses veterano da guerra e que agora trabalha em uma oficina em New Orleans.
New Orleans parece o lugar certo para encenar a trama, porque o fundo musical é sempre alguma coisa do tipo “piano-blues”, ou uma polca, ou um trompete “sensual”. Obviamente a gente perde esta parte quando lê em livro, e eu gostaria muito de ver uma montagem disso com uma trilha sonora adequada (embora não seja em qualquer lugar que se encontrem atores à altura destes personagens tão complicados).
A história toda acontece num apartamento de um quarto, do subúrbio de New Orleans. Ali vivem Stanley e sua esposa Stella, que recebem a visita de Blanche, irmã de Stella. As dificuldades de convivência já seriam normais num espaço tão pequeno, mas a coisa complica bastante pelas características dos dois personagens principais. Stanley é um homem rude e violento, muito franco e direto, enquanto Blanche é dissimulada, e, apesar de totalmente arruinada, insiste em tentar manter a pose aristocrática que supostamente teve sua família. Dizer mais do que isso é estragar a história, muito boa e muito trágica. Tudo se desenvolve em 11 cenas, mas a coisa toda se precipita mesmo nas duas cenas finais. Talvez esteja aí a grandeza toda da peça, esse timing que o autor conduz magistralmente, e também pelo fato de que coisas muito importantes da trama não ficam evidentes, a gente tem que ficar supondo nas entrelinhas.
Mesmo eu não conhecendo o texto em inglês e não podendo dizer com propriedade nada sobre a tradução, tenderia a achar que Beatriz Viegas-Faria foi a tradutora ideal. O texto realmente funciona muito bem em português, e suspeito que isso ocorra em grande parte por que a tradutora se especializou em traduzir subentendidos nos textos de Shakespeare, assunto sobre o qual fez seu mestrado e seu doutorado. Na capa da edição, que ilustra este texto, o ator que se consagrou no papel, tanto na Broadway quanto em Hollywood – Marlon Brando, que começaria ali uma carreira fabulosa de ator desenvolvida por mais de 50 anos.
Quem dirigiu a versão cinematográfica (1951) foi o mesmo Elia Kazan que havia estreado a peça no teatro em 1947, e o roteiro foi a adaptação do próprio Tennessee Williams. O nome da peça é baseado no nome do bonde que é preciso tomar para se chegar à casa de Stanley e Stella no subúrbio. É uma óbvia ironia com toda a carga de sensualidade brutal e proibida que a peça explora. A tradução literal do nome é a mais conhecida em português, mas o filme saiu aqui com o título Uma rua chamada pecado.
Tem um ótimo trailer que mostra um pouco da força de Marlon Brando no papel. É interessante pensar que no livro o destaque maior é para o personagem mais complexo da trama: Blanche DuBois, sexualmente pervertida e mentalmente confusa, além de financeiramente desesperada. Mas no cinema parece que Brando deu mais força a Stanley, explorando toda a mística do sex symbol masculino numa sociedade puritana (especialmente em relação ao desejo feminino).
Eu tinha comprado o livro e começado a ler ano passado, dentro daqueles programas existenciais de tentar ler um pouco dos clássicos antes de morrer. Inexplicavelmente eu tinha interrompido a leitura, e acabei lendo tudo de novo agora, principalmente por causa da paráfrase feita pelo Woody Allen em Bue Jasmine. Pelo trailer me parece que Allen resgata o protagonismo da mulher rica arruinada e confusa, que tinha ficado ofuscado pela atuação de Brando nas versões dramatúrgica e cinematográfica originais.
Eu tinha que ler o livro antes de ver o filme, o que farei nos próximos dias. E o negócio é que dava pra ler em uma tarde de domingo. Vale muito a pena.
Também aqui no blog: John Steinbeck: A pérola