Robert Darnton: A questão dos livros.
O livro foi o penúltimo trabalho publicado no Brasil deste que é um dos maiores historiadores norte-americanos. Com vários trabalhos de pesquisa dedicado aos livros, e tendo atuado como jornalista, editor, diretor de bibliotecas e coordenador de projetos editoriais, Darnton tornou-se um observador privilegiado para tratar da questão do livro – sua história, dilemas atuais e perspectivas de futuro.
O livro é uma coletânea de artigos, e foi publicado em 2009 nos EUA, tendo saído no Brasil em 2010 pela Companhia das Letras, a editora de seus livros no país. O mote para o livro foi o surgimento de questões jurídicas e de mercado relativas ao sistema do google para busca em livros, que levou a um acordo problemático com editoras e sociedades de autores que deu um virtual monopólio da empresa de internet no mundo do livro digital.
Os textos de Darnton tratam basicamente desta questão e enfocam alguns tipos de questões fundamentais. Tentando prospectar sobre o futuro do livro na era digital, Darnton acaba discutindo o papel dos editores, dos jornais, das bibliotecas, das livrarias, questões do mundo da leitura, direitos autorais, sistema universitário, etc.
Alguns dos capítulos incluem questões mais históricas – especialmente os capítulos que trazem ensaios sobre a bibliografia como disciplina no mundo anglo-saxão (basicamente a partir dos estudos que tentaram estabelecer os textos definitivos de Shakespeare, algo impossível como Darnton demonstra), sobre a discussão a respeito de microfilmar e depois digitalizar livros e jornais para economizar espaço em bibliotecas, sobre os estudos de história do livro.
Ironicamente, a parte sobre o Google e sobre o livro digital foi a que me pareceu mais datada, afinal, ele não tem muita discussão sobre o mercado editorial, a questão das redes de livrarias nos EUA (como Barn & Nobles), o papel da Amazon e os e-readers, etc. e tal. Para Darnton as grandes questões contemporâneas são o futuro das editoras acadêmicas norte-americanas, das revistas científicas e das bibliotecas. Tudo isso acaba sendo um assunto meio etéreo para o leitor brasileiro, afinal não temos um mercado significativo de livros acadêmicos, nosso mercado editorial ainda nem se consolidou, e está longe de enfrentar as horríveis crises de maturidade que Darnton analisa no livro. Também não temos uma tradição de bibliotecas, sejam universitárias ou não – apesar de que a questão dos bibliotecários que fizeram campanhas para digitalizar e jogar papel fora me pareçam familiares a coisas que já vi no Brasil (só que aqui as coisas são jogadas fora sem digitalizar mesmo).
O Darnton também tem muitas preocupações com as carreiras acadêmicas, que enfrentam severa decadência econômica, sentida principalmente por jovens doutores que não conseguem mais publicar. Ou seja, os EUA vivem desde a década de 1970 os problemas de um contínuo empobrecimento frente à era de ouro construída no New Deal e que teve seu ápice no pós segunda guerra. Ele relata em detalhes a experiência de tentar oferecer um programa de livro eletrônico capaz de reverter este quadro – o Gutemberg-e, que na verdade não deu certo, mas acumulou uma experiência significativa.
Eu comprei o livro em busca de informação mais aprofundada sobre o mundo do livro, que me interessa como professor e pesquisador, como possível autor e talvez como futuro empreendedor. Nestes sentidos foi menos esclarecedor do que eu imaginava. Mas como historiador eu aproveitei muito o livro, que descortinou grandes questões de pesquisa e metodológicas, que talvez pudessem ser interessantes para pensar a História da Música, que é a disciplina que eu leciono.
Na época do lançamento da edição brasileira o Darnton veio para a FLIP e deu uma entrevista muito interessante para o programa Roda Viva. Eu comentei sobre isso, dando o link para os vídeos no youtube, em texto no blog História Cultural:
Uma entrevista de Robert Darnton: a importância da história e o futuro do livro na era digital
Conhecendo um pouco melhor o trabalho deste autor, dá vontade de ler todos os outros livros dele, poucos saídos no Brasil, que tratam principalmente do iluminismo francês e suas ligações com o mercado editorial, além da repercussão disso no período da Independência dos EUA. Sobretudo, ele é um autor muito interessante, que sabe tratar de forma amigável os áridos conteúdos acadêmicos que domina. E as experiências dos EUA em questões de mercado editorial, indústria do livro, sistema de bibliotecas, e vida acadêmica são coisas que a gente precisa conhecer melhor para formular nossas políticas no Brasil.