Um dos temas que estamos estudando nas aulas de História da Música é o surgimento de uma música instrumental autônoma, um processo longo, confuso e difícil de explicar com exatidão.
Tenho dito nas aulas que antes do século XVI os instrumentos musicais são largamente utilizados, mas nunca com uma escrita específica. Ou seja, instrumentos musicais são usados amplamente, mas para tocar “de ouvido” ou para ler partituras de música vocal. Os instrumentos podiam dobrar as vozes, substituí-las, ou mesmo sintetizar várias vozes, como foi o caso das partituras de canções de John Dowland, que vimos terem sido originalmente escritas para quatro vozes, mas ouvimos uma gravação em que o alaúde tocava as três vozes mais graves como acompanhamento instrumental.
Apontamos o surgimento de uma escrita instrumental mais específica no século XVI, pela mesma época em que surgia a impressão musical e um mercado incipiente de partituras (especialmente nas cidades italianas e em Paris). Mas o alaúde foi o principal instrumento solista em atividade no século XVI, e a maioria do material produzido para este instrumento foi publicada em tablatura, um sistema de notação “dedicado”, ou seja, específico para o instrumento, e não válido para todos os outros.
Também tivemos uma aula sobre a Viola da Gamba, que consideramos o instrumento mais importante do século XVI.
Mas agora vamos entrar no assunto instrumentos de teclado.
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Eu diria que os instrumentos de teclado vão assumir maior proeminência apenas no século XVIII (em relação à produção para outros instrumentos) ou no século XIX (quando o repertório de piano assume uma importância maior em relação a toda a produção musical do período).
A primeira fonte de pesquisa que consultei sobre o assunto foi o livro de Donald Grout e Claude Palisca. Tá, eu sei que é um manualzão já bem superado em muitos aspectos, mas por enquanto fica aqui como ponto de partida, afinal, não custa lembrar, sou um pesquisador de música da primeira metade do século XX tentando dar aulas de história da música de séculos anteriores.
Estes autores propõe a seguinte classificação para a música de teclado do século XVII:
Tipo fugado
Peças curtas escritas em estilo contrapontístico contínuo (não dividido em seções) – temas legato, a Fantasia tendendo a desenvolvimentos mais complexos que o Ricercar.
Girolamo Frescobaldi – Ricercar dopo il Credo – Fiori Musicali (1635) (coloquei uns trechos da partitura e um vídeo da gravação aqui num blog antigo desta matéria)
Jan Sweelinck – Fantasia cromática (partitura aqui – transcrição moderna e gravação no vídeo abaixo)
Tipo Canzona
Peça escrita em estilo contrapontístico dividida em seções, com mudança de tema, ou com a reapresentação do tema modificado, ou com um novo caráter.
Jacob Froberger – Canzona II (post no blog antigo, com trechos da partitura e uma gravação)
Sonata
Enquanto as formas do Ricercar, da Fantasia e da Canzona aproximam-se da escrita vocal polifônica herdada do Renascimento, a Sonata era no século XVII uma forma que evocava uma nova forma de escrita, mais idiomática dos instrumentos, e mais baseada na textura da melodia acompanhada que seria a principal inovação técnica do século XVII.
A princípio, o termo Sonata referia a qualquer música instrumental, mas a partir de 1650 ele vai se tornando sinônimo de uma forma específica, com seções bem determinadas. Normalmente uma duas seções de tipo fugado, intercaladas por uma seção lenta.
Giovanni Legrenzi – Sonata “La porcia” (só achei uma gravação disso para conjunto instrumental, imagino que é uma transcrição)
O termo Sonata em geral designava música para pequenos conjuntos instrumentais, ou solista e contínuo. Quando era música para instrumento de teclado, era corrente o termo Tocatta, apesar da estrutural musical ser praticamente a mesma.
Tocatta
As primeiras Tocatas, compostas por Gabrielli no fim do século XVI, eram peças constituídas de acordes intercalados por escalas, a serem tocadas em ritmo completamente livre, ou rubato. Frescobaldi desenvolveu esta idéia compondo Tocatas que intercalavam seções livres e seções fugadas, estilo que foi levado adiante, no norte da Alemanha, por Buxtehude.
Dietrich Buxtehude – Tocatta 155 (partitura em transcrição moderna e gravação no vídeo abaixo)
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Além da questão dos tipos ou formas composicionais praticadas pelos compositores de música de teclado no século XVI, também é interessante conhecer um pouco melhor os instrumentos.
A seguir, links que eu vou mostrar na aula:
Órgão portativo (wikipedia em inglês)
Regal (wikipedia em inglês)
Órgão (wikipedia em alemão)
Clavicórdio (wikipedia em português)
Vídeo com o mecanismo de um clavicórdio em funcionamento:
Antecessores do piano – dulcimer, clavicórdio e virginal (texto da profª Alexandra Torrens)
Virginal (wikipedia em inglês)
Espineta (wikipedia em inglês)
Pesquisador destrincha processo de fabricação da Espineta
Vídeo da cravista Rosana Lanzelote tocando uma Espineta portuguesa do Museu Imperial de Petrópolis
Cravo (wikipedia em português)