Essa série comemorativa dos 40 anos do Paiol está sendo um marco na cultura curitibana.
Quando o Paiol foi criado em 1972, Curitiba não era um polo criativo de nenhuma importância no cenário nacional em termos de MPB ou Música Instrumental Brasileira. De modo que o Paiol se consolidou como um delicioso espaço para grandes nomes do eixo Rio-São Paulo virem mostrar seu trabalho na cidade.
Tempos de relação dúbia entre o Regime Militar e os setores ligados à produção cultural, especialmente no caso de Ney Braga, de governador do Paraná alçado a Ministro de Cultura, cujo pupilo Jaime Lerner, então prefeito biônico da capital, transformou o velho paiol abandonado no Paiol querido de 10 entre 10 artistas que por ali passaram inúmeras vezes.
Eu já tinha visto o Gilson Peranzzetta no Paiol, que me lembre diversas vezes. Pelo menos uma inesquecível: quando ele veio para um show com Sebastião Tapajós, Maurício Einhorn e Sivuca. Naqueles tempos em que eu era um adolescente empolgado com a Música Instrumental, podia me dar ao deleite de ir ao Paiol ver músicos de fora exibirem seus talentos de altíssimo calibre.
Jamais imaginva que um dia eu ia ver o que vi neste sábado.
Junto com o velho mestre, um grupo de garotos da terrinha. E, pasmem os saudosistas, hoje Curitiba tem músicos capazes de tocar com Peranzzetta sem fazer feio. Tá, eu sei, já tivemos músicos aqui de altíssimo nível. Gebran Sabbag, Hélio Brandão, Endrigo Bettega, entre outros que fizeram as glórias da Música Instrumental em Curitiba.
Mas é um pouco diferente desta vez. Não mais músicos obscuros da noite, que vinham receber elogios dos cariocas e paulistas em raras oportunidades que tinham de aparecer para quem era de fora.
Agora são jovens articulados nacionalmente, que tem discos gravados e projetos pelos quatro cantos. Eles fazem as honras da casa aos visitantes, mas não são mais aqueles caipiras que tinham medo de sair de casa.
Sim.
Eu vi um quarteto de músicos radicados em Curitiba, que tiveram aqui sua formação profissional, e que tocam pra não passar vergonha quando vem um Gilson Peranzzatta no Paiol. Isso é coisa que Curitiba tem que comemorar, e muito.
Primeiro eles entraram arrebentando, com Tocando à vontade, uma composição do próprio Daniel Migliavacca. Depois eles seguiram tocando temas que já não vou poder lembrar o nome, por que eles falavam sobre as músicas, mais a gente não saiu com nada escrito na mão, e a memória sabe como é. Só não vou esquecer nunca da pegada desses caras, com uma rítmica quebrada mas perfeitamente sincronizada, improvisando como ninguém, compondo como gente grande.
Depois o Peranzetta entrou, tocou com eles, e disse uma coisa que a gente já tinha percebido com as músicas. Hoje os músicos estão tocando cada vez melhor, e atingindo a proficiência cada vez mais cedo. Sintoma de uma bem-vinda profissionalização que chega tarde na vida musical brasileira.
O Peranzzatta é um negócio à parte. Mas antes que ele tocasse Estamos aí de Maurício Einhorn num arranjo maravilhoso para piano solo, ele deu uma canja em duo de bandolim e piano, com o Daniel, e tocaram Jorge no fusa, do Garoto. Aquilo foi memorável.
Peranzzetta também recebeu a Célia, com sua voz aveludada e grave. Possante, do alto da experiência de quem canta do palco como se estivesse em casa, tamanha familiaridade com o ambiente artístico, com o público. Vieram mais uma série de músicas maravilhosas, a voz de Célia sendo mais do que meramente uma cantora para ser acompanhada por um time de músicos. Ela é uma cantora que podia se integrar ao conjunto instrumental, dialogar com eles, como em Tico tico no fubá. Mas antes de ela cantar isso com todo o conjunto, teve uma do Cartola, só voz e bandolim. Aquilo também foi demais. Daniel transformou o bandolim num instrumento rítmico-harmônico completo e muito mais.
Fica difícil dizer qual música foi a melhor da noite, porque todas foram impressionantes. Mas se me mandarem escolher, eu não tenho medo de dizer que Estação derradeira foi de arrepiar. Mas logo depois veio Saudosa maloca, que não deixou nada a dever, ambas as músicas com um arranjo de tirar o fôlego, a pegada do conjunto casando perfeitamente com a voz poderosa de Célia.
Sim, e outra coisa que não vou esquecer foi o solo de pandeiro do Luis Rolim. Tô até agora procurando de onde vieram todos aqueles sons, que pareciam pelo menos uns três instrumentos, do som grave e cheio ao baque surdo e às sacudidas das platinelas, mas era tudo ao mesmo tempo. Depois que o Marcos Suzano abriu o caminho, ninguém mais segura os pandeiristas.
Fico curioso na espectativa, porque parece que o quarteto está gravando. Desde já podemos esperar um disco simplesmente memorável.
E fica a dica, que ninguém queira perder os demais shows da série comemorativa. O Paiol merece, Curitiba merece, a Música Brasileira merece.
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Daniel Migliavacca e Elizabeth Fadel: Divertimento
Comentários
2 respostas para “Gilson Peranzzetta, Célia e Daniel Migliavacca Quarteto nas comemorações dos 40 anos do Paiol”
Parabéns para nossos rapazes e pelo grande show. Grande abraço André! E 19 e 20 de Outubro tem Jazz Cigano e Yamandu Costa. Até lá.
Alguns caminhos foram abertos por um grande número de músicos, professores e produtores musicais na cidade. Mas não tenho dúvida de que todo o mérito da qualidade dessa moçada diz respeito ao intenso grau de envolvimento que eles têm com a música; ao respeito e a admiração (advindos de muita pesquisa, ouvindo muitos discos) que cada um deles têm com suas referências musicais; ao fomento da curiosidade criativa; e, como não poderia deixar de ser, à inquietação de quem é apaixonado pelo que faz. Parabéns (e muito orgulho!)!