Blue Jasmine, o mais recente filme de Woody Allen, é uma recriação livre, bem woody allen, do clássico Um bonde chamado desejo, de Tennesse Williams. Grande filme, como quase sempre são as coisas que o diretor produz.
Allen pegou o essencial do drama de Tenessee Williams e refez a história mudando a época e o lugar. Tempos atuais, claro, e trocando o subúrbio de New Orleans por outro em San Francisco. O essencial que Allen manteve foi a força dramática da personagem feminina mais complicada, Blanche DuBois, que agora aparece na pele de Jasmine: uma mulher que ostenta mais elegância do que possui, atrapalha bastante a vida da irmã quando vai se hospedar na casa dela, é mentalmente confusa e alcoólatra inveterada.
Boa parcela da grandeza do filme precisa ser creditada à excelente interpretação de Cate Blanchett, que, curiosamente, começou a despontar como atriz ainda na Austrália, justamente fazendo o papel de Blanche DuBois em Um bonde chamado desejo, numa montagem dirigida por Liv Ullman que depois foi fazer sucesso também em Nova York (soube disso nesta interessante entrevista da musa de Bergman, que esteve no Brasil). Pode ser que a escolha da atriz principal seja justamente pensada por Woody Allen como importante ponto de ligação com a peça, que imagino que ele deve visto no teatro em Nova York.
Neste ponto, Woody Allen inverte o que eu acho que aconteceu na montagem dirigida por Elia Kazan. Quando eu li o texto da peça na tradução em português, achei que a força dramática estava concentrada principalmente em Blanche DuBois. A atuação de Marlon Brando deve ter roubado a cena para Stanley Kowalski (eu disse isso aqui, no meu comentário sobre o livro). Em sua versão, Woody Allen resolve isso dividindo os personagens masculinos. Stella, a irmã que hospeda Blanche DuBois depois de sua ruína, vira Ginger, a irmã de Jasmine. Só que no filme de Allen ela está separada de seu primeiro marido e noiva de um novo homem. Ambos, Augie e Chili, dividem a rudeza do papel vivido por Marlon Brando. O charme masculino vai para o personagem vivido por Alec Baldwin, o vigarista sedutor que deu os grandes anos de Jasmine. Com isso, nenhum personagem masculino está em condições de roubar a cena da personagem principal.
E se alguém estivesse em dúvida, desta vez o título não dá margem: o protagonismo está com a mulher histérica, não com o homem banal e violento. Só que o diretor refaz algumas características da protagonista, trazendo-a mais ao seu estilo. Ao contrário de Blanche DuBois, que tinha apenas uma remota ascendência francesa, Jasmine foi frequentadora constante da Europa, como vários personagens ricos de outros filmes de Woody Allen. Bem ao estilo do diretor, Jasmine não é apenas alcoólatra, mas é principalmente hipocondríaca – tem dificuldades para respirar e está todo o tempo tomando remédios. O novo marido que ela está procurando para salvá-la da ruína, quando aparece, a quer pelos mesmos motivos que lavaram Dick de Play it again, Sam (1972) casar-se com Linda: ela era a esposa perfeita para a imagem de um executivo de sucesso – enquanto agora o viúvo Dwight quer Jasmine para sorrir para fotos ao seu lado quando estiver em campanha política.
Woody Allen também dá muito mais força à irmã da protagonista. Stella era uma mulher bondosa e crédula, devotada ao marido por quem a paixão e o desejo superavam quaisquer defeitos (falta de elegância, de dinheiro e mesmo de doçura). A Ginger irmã de Jasmine já é separada, com dois filhos e uma personalidade bem mais forte, talvez para ajudar a dissipar o peso que os personagens masculinos assumiam no drama original.
Infelizmente aqui em Curitiba são poucos cinemas que se dedicam a colocar bons filmes em cartaz. Depois que a Fundação Cultural desativou suas outrora gloriosas salas dedicadas ao cinema de autor, e que o Itaú comprou o Unibanco tirando a força das poucas salas que o banco tinha em um shoping da cidade, hoje o Cineplex Batel é o único que se dedica a fugir dos quatro ou cinco blockbusters que dominam todas as salas da cidade. E o problema é que mesmo Woody Allen vem ao Brasil com poucas cópias. Eu que deixei para ver uns 40 dias depois da estreia, já peguei uma cópia toda estropiada, que estragou totalmente a trilha sonora. Quando eu li o livro de Tenessee Williams eu senti falta principalmente da trilha sonora que ele imaginou. Allen sendo um jazzista amador só poderia acertar neste quesito (como ademais faz muito bem em todos os seus filmes) – mas eu não pude aproveitar esta parte direito, infelizmente.
Como sempre, quando do lançamento do filme no Brasil, o Paulo Camargo escreveu uma ótima crítica para a Gazeta do Povo.
Pelo que eu entendi, minha opinião ficou meio parecida com a crítica de Peter Travers para a Rolling Stone.
Bem, pra resumir, corra ver o filme que ainda dá tempo.
Veja também a crítica que escrevi, pro Amálgama, de outro filme de Woody Allen: