Em 2012 eu assisti muito menos concertos do que eu gostaria, muito menos concertos do que eu deveria, mas talvez tenha assistido até mais concertos do que eu poderia.
A soma de atribuições profissionais e familiares já seria suficiente para eu me ocupar praticamente full time, e a teimosia em tentar continuar fazendo crítica de concertos só me ocorre por que em Curitiba praticamente não há mais gente que escreve sobre os concertos que assiste. Em tese é uma atividade que demanda apenas ouvido atento, paciência para escrever e alguma referência cultural que permita comparações. A primeira e a última qualidade são abundantes por aí, mas o empenho em fazer reflexão escrita sobre o que quer que seja anda em baixa.
O principal grupo musical em atividade em Curitiba hoje, que foi também o que eu mais assisti foi a Orquestra Sinfônica do Paraná:
Em 11 de abril:
Osvaldo Ferreira e a Sinfônica do Paraná: a Sinfonia nº 2 de Mahler
Em 31 de maio:
Osvaldo Ferreira e a Sinfônica do Paraná com Fábio Zanon: Krieger, Rodrigo e Debussy
Em 25 junho:
A Sagração da Primavera de Olga Roriz com o Balé Guaíra e a Sinfônica do Paraná
Em 29 de setembro:
Stefan Geiger, a Sinfônica do Paraná e o filme de Lotte Reiniger com música de Wolfgang Zeller
Pelos concertos que vi a temporada foi muito boa, na comparação com temporadas anteriores na cidade. Em comparação com outras orquestras do Brasil, a Sinfônica do Paraná ainda precisa avançar muito na programação, como eu disse neste texto:
Orquestra Sinfônica do Paraná é uma das 5 melhores do Brasil?
A orquestra fez bem feito aquilo a que se propôs, e se a programação não avança mais é por falta de empenho do governo estadual, que continua meio que achando que programação sinfônica é desperdício de dinheiro. Por causa dessa visão tacanha, a orquestra fez um balé, mas nenhuma ópera. Não encomendou obras, nem ousou tanto quanto poderia. Dos concertos que assisti, os mais interessantes foram a Sagração da primavera com balé ao vivo, e o filme de Lotte Reiniger com música ao vivo.
A programação toda do ano eu já comentei assim que foi divulgada:
A temporada 2012 da Orquestra Sinfônica do Paraná
Além dos concertos cujas críticas foram linkadas acima, todos em geral de muito bom nível, eu também considero de grande valor os concertos especiais dedicados ao público infantil. Fui com as crianças assistir Pedro e o lobo de Prokofiev, dia 15 de abril, e excertos das duas versões de Romeu e Julieta (Tchaikovsky e Prokofiev) no concerto de 26 de agosto. Esta programação foi muito bem feita, com obras bem escolhidas, os músicos usando fantasias criativas que atraíram a atenção das crianças, além da formidável animação do palhaço Sarrafo. Obviamente estes concertos foram os de maior lotação na temporada. Os únicos em que era preciso comprar ingresso com antecedência e chegar bem cedo para achar estacionamento e assento no teatro. Exceto, talvez, para algumas das récitas da Sagração da primavera, que foi também um evento muito marcante na cidade.
Além dos concertos infantis, assisti ao concerto de 28 de setembro, mas não consegui tempo para escrever sobre ele. Foi um concerto com obras muito boas: a estréia do Concerto para violino nº 2 de Harry Crowl, uma obra marcante, com um longo trecho muito lírico em que o violino quase toca sozinho; A rosa trismegista aberta ao mundo, de Maurício Dottori, em “segunda audição”, pois foi uma obra comissionada para a Bienal da FUNARTE de 2011. Esta obra foi escrita sobre um poema de Carlos Drummond de Andrade, e me pareceu conter referências à estética de compositores comunistas dos anos 1950, como Shostakovich e o próprio Claudio Santoro, numa maneira muito inteligente de citar estas técnicas. No mesmo concerto foi tocada também uma obra de uma compositora alemã, com uma técnica que remetia auditivamente à Segunda Escola de Viena – uma obra de grande lirismo. E por fim, foi apresentada pela segunda vez a obra Terra Incognita de Flibio Ferreira de Souza. Não foi desta vez que a orquestra tocou bem esta peça, repetindo a performance que critiquei na estreia da obra ano passado. Linguagens mais próximas de obras clássicas são acessíveis aos músicos, mas uma obra de pesquisa como a de Fliblio continua esbarrando no costume conservador dos músicos.
Dos concertos da orquestra que não assisti, o que lamento profundamente ter perdido foi o que teve a Passacaglia de Edino Krieger, o Concerto de Prokofiev e a Quinta de Shostakovich. Gostaria de ter visto Penderecki regendo, mas ele não veio. Obras isoladas que lamentei perder foram o Preludio da tarde de um fauno de Debussy, o Pássaro de fogo de Stravinski, o Psalmus de João Guilherme Ripper e a Festa das igrejas de Francisco Mignone.
Como sonhar não paga nada, fico na espectativa de uma temporada ainda mais instigante para 2013. Imaginar que a Orquestra Sinfônica do Paraná possa ter uma política tão ousada quanto a de orquestras de São Paulo, Rio, Belo Horizonte ou Salvador é pedir demais? Acredito que não. Condições para isso existem, desde que a Secretaria de Estado não se limite a um pensamento pequeno.
Além da programação da OSP, outros concertos foram muito interessantes.
Da série em comemoração aos 40 anos do Teatro Paiol, gostei muito de ter visto Gilson Peranzzetta, Célia e Daniel Migliavacca Quarteto, e lamentei profundamente ter ficado sem ingresso para o Jazz Cigano Quinteto com Yamandu Costa.
Lamentei muito ter perdido todas as oportunidades de ver a programação do Solo Música 2012, mas terei o prazer de assistir alguma coisa das geniais ideias que o Alvaro Collaço está costurando para 2013.
Da série O som da cidade, promovida pelo SESC da Esquina, assisti ao Siricutico, um grupo de música infantil que já desponta como uma das melhores coisas. O quarteto curitibano não faz feio perto do trabalho de Hélio Ziskind ou do Palavra Cantada. Como os outros grupos especializados em música infantil, falta ao Siricutico um cuidado melhor com a voz, especialmente a escolha de tonalidades mais adequadas para as crianças cantarem, pois tudo é muito grave. Mas as músicas são ótimas, o instrumental muito bem cuidado, a parte cênica está bem estruturada (especialmente a Mariana Ribeiro, que é atriz de formação, e é um dínamo no palco), e a mágica do espetáculo envolve as crianças de uma forma sensacional. Os meus filhos serviram como prova.
Pouco depois do Siricutico, fui no Teatro da Caixa assistir ao Villa das crianças, com o quarteto Pantalla, arranjos fabulosos de Alexandre Brasolim e Marcos de Lazzari, e a grande presença de Katia Horn com cenário, figurinos e performance ao vivo. Tem em CD, já correu por várias escolas com apoio da FUNARTE, é um projeto maravilhoso, e tem o único defeito de ter várias músicas que estão em tonalidades ótimas para os músicos tocarem, mas inadequadas para as crianças cantarem junto.
Também não fui ver nada de toda a programação da Camerata Antiqua de Curitiba. Quando comentei a programação anual, eu confessei não estar muito empolgado, mas mesmo aqueles concertos que me interessavam não consegui ver. O que consegui ver foi o concerto regido por Keith McCutchen, que ao contrário do que estava previsto na programação teve participação da orquestra, e não apenas do coro. O McCutchen foi uma presença extremante marcante, fazendo os arranjos orquestrais, ensaiando e regendo o coro e a orquestra e ainda tocando piano. Ele tem o absoluto domínio dos spirituals que apresentou como um verdadeiro conaisseur, tendo portanto a habilidade de contagiar músicos, cantores e platéia. Poucas vezes vi o coro da Camerata numa apresentação tão convincente. E confesso que não era exatamente um programa que tinha me chamado a atenção.
Talvez eu esteja esquecendo algum outro concerto que assisti e não comentei. Tem ainda o concerto que aconteceu na FAP, com os maxixes apresentados pelo conjunto dirigido por Zelia Brandão. Teve a música de José da Cruz no SESC Àgua Verde, com o grupo Regional Jazz Band sob direção de Tiago Portela, coisa fina. Do mesmo Tiago Portela teve a edição do Songbook do choro curitibano, com roda de choro no dia do lançamento, e ainda a exposição Dos regionais aos jazz bands, curadoria de Marilia Giller e Tiago Portela, que ficou vários dias em cartaz no SESC Água Verde.
Mas não tenho dúvidas que, apesar das experiências marcantes dos concertos da Sagração da primavera, da música para o filme de Lotte Reiniger, e da estreia moderna de duas óperas luso brasileiras do século XVIII (que escrevi crítica aqui), a coisa mais importante e inesquecível que vi em 2012 foi o concerto de Ralf Ehlers.
Agora, é esperar que 2013 seja ainda melhor, e que eu não perca tantos concertos interessantes.
P.S. Esqueci de mencionar o “Luisa Wuaden canta Bento Mussurunga”. O concerto foi ótimo, especialmente pelos arranjos orquestrais do Alexandre Brasolim (esse cara devia ganhar o prêmio arranjador do ano, ou do século), e também pela altíssima qualidade dos músicos arregimentados e regidos pelo Paulo Torres. Também saiu em CD, é resultado de uma ótima pesquisa (histórica, de repertório e musical). Mas a Luisa ainda é muito jovem para assumir uma responsabilidade tão grande como a que se propôs. Sua voz não está totalmente madura, e nada disso seria um problema se a apresentação do projeto não desse tanto protagonismo a ela. Se o título fosse algo como “Bento Mussurunga em canções orquestrais” estaria um retrato mais justo do que foi.