ZANON, Fábio. Villa-Lobos. São Paulo: Publifolha, 2009. (Coleção Folha Explica n° 82)
Fábio Zanon é um dos mais importantes violonistas da atualidade. Começou sua carreira internacional na década de 1990, atualmente divide residência entre Inglaterra e Brasil, e realiza concertos pelos quatro cantos do mundo. Como todo violonista profissional, desenvolveu curiosidade e intimidade com a obra de Villa-Lobos, sendo autor do que deve ser a melhor gravação de sua obra para violão.
Mas Zanon não limitou sua competência técnica ao instrumento ou à análise musical. Doutor por uma universidade inglesa, foi muito mais fundo no estudo da obra de Villa-Lobos. Seu livro já é leitura obrigatória: para quem não tem grandes conhecimentos sobre Villa-Lobos é uma perfeita leitura inicial; para quem já tem suas leituras, é uma ótima atualização, oferecendo uma visão equilibrada e difícil de encontrar na bibliografia em português.
O livro tem muitos méritos. Por exigência da coleção, e por habilidade do autor, é conciso e ao mesmo tempo profundo. Mobilizou praticamente toda a bibliografia disponível, incluindo textos acadêmicos inéditos no mercado editorial. Vai na contramão do perigoso senso comum que tanto prejudica a avaliação de Villa-Lobos, e comenta as obras com base numa audição cuidadosa e num conhecimento razoavelmente profundo (ao menos tanto quanto permite a escassez de partituras publicadas, gravações e análises de obras). O livro é ao mesmo tempo um estado da arte dos estudos villa-lobianos e um convite ao necessário aprofundamento do conhecimento do maior compositor do nosso país.
A organização do livro é estanque: uma biografia (muito boa – cap. 1, p. 15-44), uma tentativa de definir a técnica composicional (padece da falta de estudos musicológicos para subsidiar esta empreitada – cap. 2, p. 45-58), comentários de obras (não consegue escapar de uma superficialidade impressionista, mas acredito que não seria possível fazer mais do que isso na proposta da coleção – cap. 3, p. 59-78). Anexos uma cronologia (focada principalmente em composição e estréias de obras) e algumas sugestões discográficas (incorretamente chamadas de “discogrfia”, o que pressupõe um levantamento completo e exaustivo).
O grande valor do livro está na ótima escrita de Zanon, e, principalmente, na preocupação em discutir opiniões negativas que prejudicam a compreensão da obra de Villa-Lobos. Entre elas as que criticam uma hipotética falta de técnica composicional, que Zanon demonstra ser na verdade mera questão de gosto estético aplicado normativamente. Ou o caráter autoritário e conservador de seu projeto de educação musical aplicado no regime Vargas, que Zanon matiza sugerindo ter sido o canto orfeônico (e as obras relacionadas a ele) um dos elementos seminais para a explosão criativa da MPB nos anos 1950-60. Esta hipótese merece investigação mais profunda, e pode abrir uma linha de pesquisa muito fértil para a história da cultura brasileira. Outra questão que Zanon tenta desmistificar é a de uma guinada conservadora após a fase mais experimental dos anos 1920. O autor argumenta que as experiências da década mais criativa de Villa-Lobos serviram de base para as construções posteriores, e que ciclos como as Bachianas Brasileiras, o Guia Prático ou os Concertos, Quartetos e Sinfonias tardios estão longe de ser obras menores ou menos criativas.
Por fim, o livro inteiro propõe o que a conclusão do autor aponta: a sociedade brasileira precisa fazer mais pela difusão, pela preservação e pelo estudo da obra de seu mais importante compositor. Nas palavras finais do livro:
Villa-Lobos é uma figura de primeira linha do modernismo internacional na primeira metade do século XX. Sua obra oferece uma visão intensamente pessoal das preocupações estéticas de seus contemporâneos e pode figurar nos programas de concertos com a mesma freqüência que a de nomes como Bártok, Stravinsky, Falla ou Prokofiev. (p. 83)