Bibliografia básica para estudar História do Cristianismo

Neste texto procuro indicar uma bibliografia básica para estudar História do Cristianismo, considerando os seguintes aspectos: livros que eu conheço (claro), livros disponíveis nas livrarias, livros em português, livros confiáveis. O que estou definindo como livros confiáveis? Os que foram escritos por autores que tem reconhecida autoridade no assunto, que são resultantes de pesquisa bem fundamentada e, preferencialmente que indicam a fonte das informações. Essas características tornam o livro verificável, o que nos dá a certeza de não encontrarmos informações erradas ou interpretações esdrúxulas. Outro ponto importante é que os livros sejam atualizados – livros mais recentes, baseados nas melhores informações descobertas ou pesquisadas nas últimas décadas.

Outra característica importante desta lista é que são livros com característica de manual – ou seja, livros feitos para quem quer estudar uma disciplina. Existem milhares de ótimos livros sobre temas específicos, mas são poucos os que procuram abranger de forma sistemática todo o assunto de uma disciplina de História do Cristianismo.

Como eu cheguei nesta lista? Em 2005, logo após concluir o mestrado em História, eu assumi o desafio de ministrar a disciplina de História do Cristianismo na então Faculdade Teológica Batista do Paraná, hoje Faculdade Batista do Paraná (FABAPAR). A Faculdade tinha passado recentemente pelo reconhecimento do MEC, e vinha fazendo um esforço para contratar professores com titulação acadêmica reconhecida e que dialogassem com uma bibliografia mais recente e qualificada.

Meus estudos para preparar a disciplina começaram pelas bibliografias que já estavam nos planos de ensino da Faculdade, e nos livros que já estavam na biblioteca da instituição. Mas logo percebi que havia uma tradição de livros escritos sob um viés mais confessional e menos ligado a pesquisa acadêmica reconhecida. Em geral eram livros mais antigos, traduzidos, e tinham uma característica mais apologética do ponto de vista evangélico. Felizmente havia também um esforço de algumas editoras em lançar livros mais atuais e bem fundamentados – em geral, fossem traduções ou de autores brasileiros, tinham sido produzidos por autores com vocação religiosa, mas preocupados em fundamentar os escritos em documentação confiável.

Uma tendência meio geral na bibliografia mais antiga era tratar História do Cristianismo como sinônimo de História do Pensamento Teológico, História da Teologia ou história dos teólogos. A bibliografia melhor e mais recente, e a que eu privilegiei, foi a deu um viés mais histórico no sentido metodológico, buscando encarar o Cristianismo como um fenômeno inserido nas questões sociais de seu tempo. Ou seja, tão importante como anotar a suposta evolução do pensamento teológico, era observar a relação do cristianismo com a vida religiosa, social, econômica e política de seu tempo.

Agora que já expliquei as características do que estou entendendo como uma boa bibliografia da disciplina, vou aos livros que quero indicar.

Justo González, Uma história ilustrada do cristianismo

Na minha época de professor da disciplina (entre 2005 e 2007), a que existia era uma edição da década de 1990, da Editora Vida Nova, em 10 volumes. Foi esta a melhor obra que encontrei na biblioteca da Faculdade, estudei com gosto e usei muito para perparar as aulas.

Justo González, Uma história ilustrada do cristianismo, vol. 1 – A era dos mártires

Hoje existe uma edição nova, publicada em 2011, com todos os livros reunidos em dois volumes, edição vendida numa caixa. Da mesma Editora Vida Nova.

Esse livro não tem exatamente todas as qualidades que eu indiquei acima. Justo González, ao menos na edição que eu usava, não se preocupou em indicar fonte das informações nem dar referências bibliográficas das obras que consultou. Neste sentido não é um livro acadêmico. Mas esse defeito se torna de menor importância dadas as outras qualidades da obra.

Posso atestar que, quando comparamos com a bibliografia conhecida sobre os assuntos tratados no livro, ou seja, os manuais de história que tratam das épocas analisadas na obra, vemos que González não inventou nada e procurou ser bastante fiel e preciso em relação ao conhecimento histórico disponível.

Acho que principal qualidade do livro, para nós leitores brasileiros, é que o autor é latino americano e se preocupou em escrever para gente como nós: o livro serve bem a leitores que não tiveram aquela escolaridade maravilhosa e não, não lembram de tudo que se estuda em História. Ou seja, o livro busca contextualizar muito bem os temas. O maior defeito é que é um livro feito para bastar a si próprio – você termina a leitura muito pouco informado sobre onde e como se aprofundar em temas específicos.

Pontos fortes do livro, segundo minhas lembranças, são partes específicas da história que o autor aprofunda em riqueza de detalhes – por exemplo, o monasticismo e as reformas monásticas, ou a guerra dos 30 anos no século XVII, o movimento metodista na Inglaterra e os avivamentos nos EUA do século XIX.

Quem estudar este livro sairá com um bom conhecimento básico, e não terá recebido informação preconceituosa ou enviesada. Para se aprofundar mais ou buscar informação mais atualizada ou específica, precisará buscar informação em outras obras. A escrita é fluída, e as ilustrações, até onde me lembro, não eram assim uma coisa tão articulada no livro.

Paul Johson, História do Cristianismo

Percebendo os limites da coleção de Justo González, e conhecendo outro livro de Paul Johson, História dos judeus, comprei este livro para estudar e aprofundar algumas coisas.

História do cristianismo, de Paul Johnson, capa da edição de 2001.

A principal desvantagem deste livro em relação à coleção de Justo González é que o autor é britânico, e pressupõe um leitor com escolarização europeia. Ou seja, você aproveitará melhor a obra se conhecer muito bem a história da Europa. Ele não se preocupa em explicar e detalhar tanto muitas coisas que ele supõe que conheçamos.

A vantagem maior é que Paul Johnson, embora seja apontado como um conservador religioso e um autor de livros populares de história, escreve um livro com interpretações bastante ousadas e críticas. Acredito que esse tipo de escrutínio histórico faz muito bem à formação de estudantes, e neste sentido, melhor a dureza das ideias históricas de Paul Johnson do que ser amaciado pelo cristianismo confortante de Justo González.

Lembro que algumas interpretações do livro de Johnson me marcaram bastante: o panorama detalhado do judaísmo dos tempos de Cristo; um viés bastante crítico sobre os processos de consolidação da ortodoxia cristã nos séculos IV a VI; um enfoque bastante profundo no período do papado de Inocêncio III, quando o chefe da igreja romana se tornou mais poderoso que os outros reis europeus; uma visão bastante profunda da relação entre iluminismo e reformas protestantes; um certo viés mais favorável a Erasmo e Morus do que a Lutero e Calvino.

Livro recomendado para estudantes mais corajosos. Se estiver com preguiça de ler tudo, provavelmente fará muito bom proveito se ler somente até a parte das Reformas do século XVI.

O livro que está disponível hoje é uma edição mais recente, de 2023.

Martin Dreher, História da Igreja

Este livro estava disponível na biblioteca da Faculdade. Eu descobri depois dos dois anteriores. E é um livro, ou melhor, na época uma coleção em quatro volumes, interessantíssimo!

A igreja latino-americana no contexto mundial, 4º volume da coleção História da Igreja, de Martin Dreher.

É o único dos que estou indicando que foi escrito por um autor brasileiro. E o único escrito por um professor universitário de História, ou seja, um profissional acadêmico da área de história.

Com essas características, podíamos esperar realmente um livro bem instigante. Eu lembro com mais detalhes de coisas específicas do livro, ou da coleção: a maneira profunda como ele abordou a formação do cânone das escrituras e as disputas entre ortodoxia e heresia nos primeiros séculos do cristianismo; as explicações mais aprofundadas sobre o luteranismo nos séculos seguintes ao das reformas, principalmente a escolástica luterana e o pietismo. E claro, a coisa mais importante da coleção é o 4º volume, em que se debruça de forma muito detalhada sobre o processo de colonização espanhola na América e a implantação do catolicismo no continente, bem como as ótimas explicações sobre a implantação do protestantismo no Brasil do século XIX.

Esses três livros, de Justo González, de Paul Johnson e de Martin Dreher, nos dão um panorama variado e profundo. González um professor de seminários bíblicos nos Estados Unidos, nascido, formado em teologia e ordenador pastor metodista em Cuba, antes da revolução. Paul Johson um católico britânico, autor de muitos livros de história sobre variados temas, jornalista que escreveu para vários periódicos importantes. Martin Dreher um professor de História brasileiro, sul-riograndense, luterano, ligado à teologia da libertação. Quem tiver a paciência de estudar estes três sairá com uma formação sólida e diferentes intepretações históricas para comparar e matizar.

A obra de Martin Dreher também tem uma edição nova, de 2013, em volume único. Veja no site da editora Sinodal.

Dois livros temáticos sobre Reforma Protestante

Para quem deu aula em uma faculdade confessional evangélica, como eu, importante enfocar com maior profundidade o tema da Reforma Protestante. Além do viés confessional que atrai o interesse dos evangélicos, a verdade é que as reformas religiosas do século XVI são realmente um tema bastante importante para entender o mundo moderno. Então, vale a pena também para quem não é evangélico fazer esse aprofundamento.

O primeiro destes livros, novo à época em que eu estava dando essas aulas, é o Reformas na Europa, de Carter Lindberg. Naquela época eu usava uma edição da Sinodal. Mas agora existe uma nova edição, da Thomas Nelson, publicada em 2017, com novo título.

Carter Lindberg, As reformas na Europa, na edição da Sinodal

Um livro incrível e muito detalhado. Bem escrito, cumpre muito bem aquelas características que apontei no início. O autor é um professor universitário norte-americano, de formação luterana. O livro dá ótimas referências e aponta os caminhos do que você pode estudar para aprofundar os temas. Por exemplo, em quais obras de Lutero ou Calvino são desenvolvidos tal e qual pensamento, como os seguidores difundiram ou desenvolveram seus pensamentos teológicos, etc.

Outro livro que quero indicar eu descobri depois. Mas o autor, Alister McGrath, já tinha algum livro que estudei na época, mais específico sobre o calvinismo. Agora, em época mais recente, para escrever um texto sobre música na reforma, procurei e encontrei um novo livro deste autor: O pensamento da Reforma.

Alister McGrath, O pensamento da reforma.

Acho que McGrath é o autor que melhor conjuga profundidade acadêmica com a postura confessional. Na verdade essa característica também se aplica muito bem a Lindberg. McGrath é britânico, e foi professor na universidade de Oxford, antes de mudar para o King’s College. Seu livro continua disponível na mesma edição que conheci.

Acho que a maior qualidade do livro de McGrath é aprofundar muito bem as raízes do pensamento dos reformadores protestantes no mundo intelectual de sua época. A disponibilidade de novas edições dos pais da igreja, principalmente Agostinho, o trabalho de base dos humanistas, como Erasmo – tudo isso foi muito importante para criar o ambiente das ideias reformadas.

Dois grandes personagens para ler nos originais

Agora que você já leu os manuais de História do Cristianismo e se aprofundou em bons livros temáticos sobre a Reforma Protestante, que tal fazer como os historiadores e ir às fontes?

Nada melhor do que ter em português ótimas traduções muito bem feitas de escritos clássicos de Lutero e Calvino.

De Lutero, a magnífica e muito bem editada coleção Obras selecionadas, da Editora Sinodal. Se você só tem tempo e dinheiro para um volume, vá direto ao segundo – “O programa da Reforma. Escritos de 1520.” Se estiver esbanjando tempo e dinheiro, ou comprando para uma instituição, que tal a coleção completa em 14 volumes?

De Calvino, claro, a obra mais importante é sua Instituição da religião cristã. Agora disponível numa excelente tradução acadêmica em dois volumes pela Editora da UNESP. Aqui o primeiro volume.

Bom, gente. Chega de conversa, vamos estudar.


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