Roberto de Regina e o cravo virtuose de Scarlatti

Texto publicado originalmente em 14/9/2009

Roberto de Regina com seu cravo

Sexta-feira fui assistir ao concerto de Roberto de Regina no Solar do Rosário – evento de lançamento de um DVD dedicado às obras de Domenico Scarlatti. Segundo o próprio Regina, o DVD foi a única homenagem a Scartlatti no Brasil por ocasião dos 250 anos de sua morte (relembrados em 2007).

Impossível exagerar a importância de Scarlatti para a história da música européia. Foi o homem responsável pelas idéias que hoje podemos reconhecer como a transição entre as danças barrocas e a forma-sonata do classicismo. Isso significa muito em termos de emancipação da música instrumental. Scarlatti simboliza, neste aspecto, a mudança muito profunda do sentido social da música: de entretenimento esnobe da nobreza para “obra-de-arte” a circular no espaço público burguês ainda incipiente.

Italiano, filho do principal compositor de música vocal do século XVII, Domenico foi contratado pela coroa portuguesa e depois transferiu-se para a Espanha. Suas obras são muito tocadas, quase sempre em adaptações para piano. Ocorre que o piano é um instrumento de mecânica e sonoridade deveras diferente do cravo, o que significa que pianistas que tocam Scarlatti estão sempre tentando simular uma sonoridade cravística que permita dar sentido musical à execução. Na minha opinião, invariavelmente resulta em fracasso total.

Este foi o grande mérito do concerto de Roberto de Regina. Ele foi o primeiro construtor de cravos do Brasil. Pioneiro da música antiga no Brasil, que já era um movimento fortíssimo na Europa. O movimento consiste basicamente em executar música composta anteriormente ao domínio absoluto do piano e da família dos violinos, coisa do tempo de Mozart pra cá. Sempre em réplicas de instrumentos de época e baseando-se em antigos tratados musicais para chegar a uma execução mais “autêntica”.

Autenticidade é a palavra chave do movimento da música antiga, apesar de ser um conceito bastante questionável. Todavia, não tenho dúvidas que é uma experiência estética e musical muito mais empolgante ouvir as obras de Scarlatti no tipo de instrumento para o qual foram compostas.

E são raros os concertos de cravo que se pode assistir no Brasil, mais ainda em Curitiba. Muito menos um concerto todo dedicado à obra de um único compositor, o que nos permite uma experiência mais profunda com sua música.

Quem foi, então ao concerto de sexta-feira, viveu esta experiência única. O DVD, que estava à venda, é uma edição independente, sem os rigores do profissionalismo (problemas de captação de som e sincronismo com a imagem). É um documento útil, mas não substitui, de maneira nenhuma a experiência de assistir a execução ao vivo. O que poderá ser feito novamente às 19:30 desta segunda (13/9/09) em nova apresentação no Solar do Rosário.

A ligação de Roberto de Regina com Curitiba é antiga. Em 1974 ele foi convidado pela administração de Jaime Lerner para fundar a Camerata Antiqua de Curitiba, com a qual colaborou, se não me engano, até 2002. E é por iniciativa de algumas personalidades da elite da província que ele volta para o evento.

Para quem não for assistir ao concerto, só pra dar um gostinho, segue um vídeo da cravista brasileira Rosana Lanzelotte tocando uma sonata do compositor:

 


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