32 Anos do PT: são para comemorar ou para se preocupar?

O vídeo acima insiste nas virtudes do PT, comete o exagero de todo o marketing político de atribuir a si próprio todas as virtudes e afastar todos os defeitos.

Grande parte do que eles dizem ali é bem verdade. Mas só dizem a parte boa dela.

Acho que já passamos da fase das comemorações pelas conquistas sociais protagonizadas pela ação política do PT (não só dele, mas principalmente). Aliás, por falar em “não só dele”, soa no mínimo ridículo apontar o PT como um partido fundado por “um homem”. Homem-símbolo, Lula foi e é sem dúvida. Principal liderança do partido, melhor presidente que o Brasil já teve, etc. Mas não fundou o partido sozinho, não lutou sozinho nenhuma das lutas em que participou.

É preciso dizer umas verdades. O PT passou 23 desses 32 anos pregando uma série de ações políticas que depois não se dispôs a por em prática nos 9 anos em que já esteve na Presidência da República.

Não custa lembrar ao PT do próprio PT, na medida em que o partido já deixou, faz um tempo, de ser a tal mobilização por mudança social apregoada no vídeo acima. O PT é hoje um partido de carreiristas – o peso dos vereadores, secretários municipais, vice-prefeitos, prefeitos, deputados estaduais, secretários estaduais, vice-governadores, governadores, ministros, deputados federais, senadores, assessores de todos estes, diretores e presidentes de estatais, autarquias, fundações, etc, e etc. Esse peso todo aí, já ficou maior do que aquele peso, que já era incômodo, dos sindicalistas sustentados pelo imposto da contribuição sindical compulsória (aliás, lembram que eles prometem sempre mudar a legislação sindical?).

Com tantos interesses a defender na máquina dos cargos públicos, fica fácil entender porque o PT é hoje o partido do conchavo, e não mais o partido da mobilização por mudança social.

É fácil pra mim falar mal do PT, porque eu continuo votando no PT. Menos por suas virtudes e mais porque seus defeitos ainda são bem menores que os da concorrência.

Mas não posso deixar de notar como o PT foi deixando pra trás suas maiores virtudes, à medida que ia crescendo por dentro da máquina política, passando, grãozinho por grãozinho, de oposição minoritária a principal grupo de oposição, depois a governante de instâncias secundárias até chegar ao governo central, e tornar-se disparado o maior partido. Que só não fica maior porque continua achando interessante sustentar os velhos oligarcas em troca de benefícios mesquinhos, esquecendo que seria fácil varrê-los se estivesse disposto a um mínimo de confronto.

A antiga militância aguerrida envelheceu, desarticulou-se, engordou à sombra dos vários escalões de governo. Os filhos dos petistas históricos já estão nos cargos (eletivos ou não) por aí, e o PT vai se acostumando, se moldando às práticas políticas que tinha prometido superar.

Pra mim, a maior representação disso está no fato de que o PT considera a distribuição de renda como um bem em si mesmo. E não é não. A vida das pessoas melhora quando a renda dos mais pobres aumenta? Melhora quando fica mais fácil arranjar emprego?

Melhora. Grupos sociais que estão há vários séculos e gerações alijados de qualquer possibilidade de progresso econômico percebem as migalhas como um banquete. Grupos sociais que tinham visto as gerações anteriores experimentarem o período de maior crescimento do Brasil estavam há décadas inconformados com a contínua perda de status – esses aí estão divididos entre os que acham bom poder melhorar um pouco de vida e os que não perdoam que os debaixo estejam chegando cada vez mais perto e que os de cima estejam ficando cada vez mais longe.

Só que não é só isso que o Brasil precisa. Não é só isso que é governar.

Além de ganhar um pouco mais de salário, e ter menos medo de perder o emprego, seria muito útil poder morar numa casa decente, ter transporte digno para ir ao trabalho, ter opções de lazer perto de casa, ter atendimento à saúde, ter direito a viver sem ser alvejado por criminosos, estudar numa boa escola. Trabalhar menos horas para poder ficar com os amigos e a família, ler um livro, ir ao teatro ou ao cinema. Participar das decisões políticas da coletividade, Não ser discriminado por ser negro, mulher, homossexual. Não eram bandeiras do PT? Me parece que quando o PT sabia que era oposição, e que não ia ganhar a Presidência da República, se importava mais com essas coisas, administrava prefeituras de forma mais progressista, tinha uma ação mais efetiva no Congresso. Lembram de quanto barulho a bancada do PT fazia quando tinha só 30 deputados?

Pois é. Mas tem mais.

O sujeito não quer só sair da pobreza e entrar pra classe média. Porque um dia ele vai perceber que a classe média no Brasil paga imposto pra cacete, e recebe poucos serviços públicos de qualidade. Conseguir vaga de consulta no SUS é bem mais complicado que na UNIMED (mas os médicos estão todos saindo, porque tem mais gente podendo pagar consulta particular). Poder comprar o primeiro carro é legal – duro é ver que o trânsito não anda, que as estradas são poucas e inseguras, que o combustível é caro, que a manutenção é cara, que o seguro é pior do que um assalto, que o IPVA é caro, que as peças são caras. E o dia que o sujeito aprender a fazer as contas de quanto juro ele pagou na prestação ele vai perceber que tinha sido melhor se aguentasse mais um pouquinho sem carro, que ia progredir mais na vida.

O sujeito não quer só levar o filho pra escola básica. Por que ele vai perceber que quando o filho termina a 8ª série, já não significa nada, porque todo mundo terminou também. Aí ele vai ter que fazer o Ensino Médio, mas não dá, porque não tem escola suficiente. Ou porque ele vai ter que trabalhar que as contas pra pagar não poupam a nova classe média. Se por acaso os jovens tiverem o privilégio de seguir até o fim do Ensino Médio, vão perceber que o Ensino Superior é ainda mais difícil de entrar. Um curso com boa possibilidade de colocação profissional é quase impossível de passar numa universidade pública. Restam as privadas, com preço bem alto e qualidade muito abaixo do aceitável. Nem as universidades públicas não estão chegando perto do aceitável, mas ainda são menos piores.

Aí, se o cara se matar o suficiente, e conseguir terminar o Ensino Superior, ele vai perceber que emprego existe, e de monte. Mas não necessariamente para a formação que ele obteve. Se ele for engenheiro, por exemplo, que dizem que falta no Brasil, terá sido bastante inteligente para conseguir passar em Cálculo, e saberá fazer as contas pra ver que ele ganha muito mais em qualquer área de vendas, gestão ou finanças e vai migrar a carreira para estes setores, que ele odeia, mas que pagam bem melhor.

Afinal, pra que desenvolver produtos por aqui, se podemos comprar baratinho dos chineses? Não vale a pena esquentar a cabeça. Melhor vender soja, café ou minério – tudo coisa produzida por setores oligopolizados, que produzem como resultado uma riqueza altamente concentrada.

Quero dizer: o negócio ficou bom pra muita gente, o suficiente para ninguém querer arriscar uma mudança mais profunda. Os únicos que reclamam são os que querem voltar pra trás, aos tempos piores de antanho. Aí eles põem aqueles candidatos que a gente já sabe, e acabamos tendo que votar no PT outra vez.

Eu acho tudo isso uma bosta. Queria um partido que continuasse com um mínimo de vontade de continuar produzindo mudança social, geração de riqueza e bem-estar para a maioria da população, igualdade de oportunidades e justiça social para todos.

O PT não é mais isso, definitivamente.

O duro é que não acho outro partido que seja.

Para mim, não há nada a comemorar, só a lamentar e a se preocupar.


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2 respostas para “32 Anos do PT: são para comemorar ou para se preocupar?”

  1. […] 32 Anos do PT: são para comemorar ou para se preocupar? […]

  2. […] essas questões complementam e explicitam o que eu refleti no meu texto sobre os 32 anos do PT. E tem a ver com uma série de questões que eu comecei a tratar em propostas para um Brasil […]