Zélia Brandão, Paulo Urban, Fábio Cardoso e Anderson Antoniacomi: Isto é bom

Antoniacomi em cena – foto tirada desta galeria

Eles foram apresentar na FAP, quando pude ver. Antes eles tinham apresentado no Teatro Positivo e eu tinha perdido. Agora eles terão uma temporada de três semanas no Barracão em Cena, e você não vai perder.

Não vai perder, porque é imperdível.

Trata-se de uma história de ficção nada fictícia sobre um músico que tem a ideia de apresentar um projeto para um dos sistemas de lei de incentivo à cultura, e no meio das peripécias que tem que fazer para suplantar a burocracia exigida, são tocadas músicas do que seria o projeto.

O autor da trama é Anderson Antoniacomi, que também canta algumas músicas com bela voz. A parte cênica é fundamental para garantir o ambiente descontraído e bem-humorado que cercava a música ligeira da época – especialmente se lembrarmos que grande parte do repertório foi gestadas em festas de subúrbio ou em ruidosas apresentações de Teatro de Revista.

O nome do espetáculo é o de uma canção composta por Xisto Bahia, considerada a primeira gravação feita no Brasil, na voz de Baiano, para a Casa Edison, em 1902.

Ouça a gravação histórica aqui:

Além da canção famosa, contém músicas instrumentais do final do século XIX e início do XX, compostas por Joaquim Antonio Callado, Henrique Alves de Mesquita, Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth – só faltou o Anacleto de Medeiros. No meio das histórias umas explicações sobre os gêneros aos quais os autores se dedicaram: polca, maxixe, tango brasileiro, choro. As explicações, corretamente enfatizam a confusão terminológica entre os gêneros, e as mudanças de sentido pela qual os termos vão passando ao longo do tempo.

Para chegar a este resultado, foram anos de pesquisa de Zélia Brandão em busca do repertório brasileiro para flauta. A pesquisa começou nos tempos em que a Zélia assumiu a cadeira de professora de flauta no Conservatório de MPB de Curitiba, já vão uns bons 20 anos. Os passos foram guiados inicialmente por Roberto Gnattali, fundador e então diretor da instituição. Com os livros, os discos e as fitas cassete fornecidas pelo mestre, Zélia foi chegando às grandes obras dos referidos compositores, ouvindo as gravações, transcrevendo as partituras, mas, acima de tudo absorvendo o estilo.

À época não haviam as informações hoje disponibilizadas por pesquisadores que já fuçaram nos arquivos oitocentistas e tornaram o material muito mais acessível aos instrumentistas. Talvez a dificuldade em construir este repertório seja o que deu à Zélia tanta fluência no estilo.

Depois da apresentação fui lá conversar com eles, curioso para ver as partituras. A parte do Fábio Cardoso, como eu suspeitava, tinha nada escrito. Só umas cifras pra ele não se perder no compasso. Tudo o mais – contracantos, linhas melódicas, baixarias, quebradeiras – saem do improviso daquele miserável. Quem já andou à cata de boa música pela noite curitibana já tem no Fábio Cardoso uma figura obrigatória do piano bem tocado, seja no jazz ou na MPB. Surpresa vê-lo tão fluente nesse piano maxixeiro.

Outra coisa que me surpreendeu foi saber que as partes para duas flautas não são escritas. Só a melodia principal, geralmente a cargo do Paulo Urban. Tudo o mais, a quebradeira toda, é improviso da Zélia Brandão.

Coisa absurdamente boa.

De modo que todo mundo vai querer ver no Barracão EnCena. E eu já fui dizer pra eles irem além com esse negócio – não deviam ficar só em Curitiba. Porque eu dou aula sobre essas coisas, e sinto falta de gravações modernas. Referencial bibliográfico até que já temos alguma coisa importante, mas o som da época, com a força expressiva que a Zélia construiu, isso é novidade pra mim.

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