Michel Löwy e Robert Sayre: O romantismo na contramão da modernidade

texto antigo, publicado originalmente em 31/3/2008

Resenha do primeiro capítulo do livro, já esgotado.

LÖWY, Michael; SAYRE, Robert. Revolta e melancolia. O romantismo na contramão da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1995.

Os autores propõem um conceito abrangente de romantismo como estrutura mental, forma de ver o mundo, weltanschaung. Nessa concepção, o romantismo teria dimensões não apenas nas artes e na filosofia, mas na economia e no pensamento político, bem como nas ciências humanas. Seria também algo maior do que um movimento temporal do início do século XIX, mas seria uma estrutura de pensamento identificável já a partir de meados do século XVIII e perdurando até os dias atuais.

Esta concepção mais abrangente de romantismo dos autores explica o fenômeno como uma reação à modernidade capitalista. Uma reação interna, portanto operante com a própria visão de mundo gerada pelo capitalismo. Uma reação tradicionalista, que idealiza um passado (imaginado) naquilo que ele tinha de não-capitalista e de pré-capitalista. Para chegar a esta idéia os autores partiram do campo das análises marxistas da sociedade e da cultura, especialmente as teorias literárias de Lucáks e Lucien Goldman, apesar destes autores apresentarem uma visão diferente sobre o romantismo.

Partindo deste campo de análise os autores definem a modernidade capitalista como um complexo sócio-econômico caracterizado pelos seguintes aspectos, aos quais o romantismo surgirá como oposição: industrialização, desenvolvimento científico-tecnológico, hegemonia do mercado, propriedade privada dos meios de produção, oposição capital-trabalho (no sentido de que uns acumulam capital e o potencializam, enquanto outros vivem do trabalho assalariado), divisão intensa do trabalho, tudo isso interligado com os fenômenos de racionalização, burocratização, urbanização, secularização e reificação. (p. 37) Como a análise pressupõe o romantismo como uma reação a essa modernidade, ele será coetâneo dela, espalhando-se pela mesma temporalidade, e tendendo a existir enquanto tais características do capitalismo estejam presentes, ou seja, de fins do século XVIII até os dias atuais.

Como reação à modernidade capitalista, o romantismo é, nos termos dos autores, “uma crítica moderna da modernidade” (p. 40), ou seja, uma autocrítica da modernidade – feita por alguém “de dentro” e não de fora dela. Ou seja, a relação do romantismo com o passado é sempre idealizada, sem pretender abandonar as conquistas da modernidade. O passado que inspira os românticos é mitológico ou legendário. Nos casos que a inspiração era de um passado real, ele era sempre visto de forma idealizada e utópica, como fonte daquilo que a modernidade tinha perdido em seus valores humanos.

A busca deste paraíso perdido deu-se de várias maneiras. No plano do imaginário, pela busca do espiritual, do sobrenatural, do fantástico, do onírico, do sublime. No plano real, pela criação de comunidades utópicas no interior da modernidade capitalista: dandismo, círculos literários, comunidades socialistas (Saint-Simon) ou simplesmente uma entrega às paixões amorosas (sentido ao qual o termo “romantismo” mais se apegou no senso comum). Ou ainda pela saída de dentro desta mesma modernidade, fugindo para o interior ou para países periféricos onde as relações capitalistas não estavam plenamente implantadas. E ainda uma última vertente identificada pelos autores esteve ligada à busca de um novo futuro, a construção de uma “nova Jerusalém” empreendida por homens como Proudhon ou Benjamin. Mas o romantismo não foi, para os autores, apenas negação da modernidade capitalista, tendo importante contribuição a essa modernidade: um hiper-desenvolvimento da subjetividade individual e, no pólo oposto-complementar, da totalidade ou unidade – tanto da comunidade humana como dela com a natureza.

Os autores nomeiam exatamente o que da modernidade capitalista o romantismo pretendia combater e como. (1) O desencantamento do mundo, ou sua visão exclusivamente racional/científica. Surge por isso a idéia de reencantamento do mundo, buscada por um renascimento da religião, da magia e do mito. Nem tudo que aconteceu na religião, ou em relação ao mito, nos tempos modernos é relacionado ao romantismo (certos ramos mais racionais do protestantismo, por exemplo, ou a mitologização barata promovida pelos nazistas), mas o recrudescimento destes valores na modernidade pode ser creditado em parte ao programa romântico. (2) A quantificação do mundo, que reduziu tudo a valores quantificáveis, trocáveis por dinheiro. A natureza passou a ser vista meramente como matéria-prima. O romantismo, em contrapartida, exacerbou o qualitativo, as relações humanas não mercantilizadas. Os autores citam como exemplo o anti-tipo ideal do romance Tempos difíceis de Dickens, no personagem Mr. Gradgrind. (3) A mecanização do mundo, que passa a ser dominado pela máquina, pelo artificial, pelo construído. Os autores seguem identificando os anti-tipos na literatura inglesa e alemã: o homem-máquina do trabalho industrial, a política e o Estado concebidos como grandes máquinas. As soluções propostas pelos românticos variaram de uma nostalgia do sistema monárquico até a proposta da livre organização social anarquista. (4) A abstração racionalista, que está na base mesmo da organização da produção capitalista e na própria idéia do dinheiro como medida de valor, à qual o romantismo contrapõe a irracionalidade do amor como ímpeto emotivo e, até mesmo, uma valorização da loucura. (5) A dissolução dos vínculos sociais, demonstrada criticamente em vários personagens literários que lastimam a desumanidade da vida urbana e industrial, onde as pessoas estão próximas fisicamente mas não se relacionam.

Apesar das características do romantismo poderem ser identificadas em tempos muito antigos, o romantismo só se tornou um sistema cultural – segundo os autores, quando a mercantilização passou a ser a forma dominante de organização da vida, no século XVIII. O surgimento desta cultura romântica teria ocorrido no centro da Europa capitalista, simultaneamente na França, Inglaterra e Prússia. Um pouco mais tarde, os autores afirmam, o romantismo surgiu na periferia européia (Itália, Espanha e Leste Europeu) – na década de 1820, com impulso nacionalista no início, reagindo ao domínio de potências estrangeiras e, mesmo sem a existência de uma burguesia local significativa, opondo-se à aristocracia local. Ou seja, mesmo estes países não tendo um desenvolvimento capitalista próprio, o fato deles terem se inserido como periferia no capitalismo mundial provocou o surgimento de seus próprios romantismos.